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Polícias militares ainda adotam leis da ditadura
Normas que definem práticas das PMs não foram atualizadas em nove Estados
Para especialistas, principal problema de regulamentos disciplinares antiquados está na limitação da garantia de respeito a direitos humanos
GISELE LOBATO
NANCY DUTRA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Nove das 27 polícias militares do país ainda adotam normas copiadas do Exército durante o regime militar. Levantamento obtido pela Folha revela que os mais de 20 anos de
redemocratização não bastaram para atualizar os regulamentos disciplinares das PMs
de Santa Catarina, Bahia, Rio
Grande do Norte, Roraima,
Amapá, Amazonas, Acre, Mato
Grosso e Mato Grosso do Sul.
Os regulamentos disciplinares -que definem direitos, deveres e punições às faltas dos
policiais- levantados pela Uerj
(Universidade do Estado do
Rio de Janeiro) contêm artigos
que ferem a ampla defesa do
policial, determinada pela
Constituição de 88.
O desrespeito aos direitos
começa dentro da corporação.
Em pelo menos sete Estados,
quem se envolver em uma falta
só será ouvido se o responsável
considerar "necessário".
As transgressões reunidas
nos documentos também
avançam sobre a liberdade e a
intimidade dos policiais militares. Pelo regulamento baiano,
por exemplo, o policial precisa
pedir autorização para se casar.
Também é proibido passear
pelas ruas depois das 22h "sem
permissão escrita da autoridade competente".
Nos Estados do AC, MS, AM
e RN, mulheres que usarem,
uniformizadas, cabelos de cor
diferente da natural, não estão
de acordo com a ordem. Até
contrair dívidas, "comprometendo o bom nome da classe", é
passível de punição.
Para Ignacio Cano, do Laboratório de Análise da Violência
da Uerj, o tratamento arbitrário pauta a atuação do PM.
"Se ele é humilhado e punido
injustamente, não podemos esperar que vá para a rua e trate
as pessoas com gentileza", diz.
"Esses códigos são insuficientes para assegurar que a
ação policial respeite os direitos do cidadão", diz Cristina
Neme, do Núcleo de Estudos
da Violência da USP. Para ela,
os documentos herdados da ditadura priorizam a hierarquia e
a disciplina em detrimento das
garantias constitucionais.
A responsabilidade de adaptar os regulamentos disciplinares à Constituição de 88 é dos
Estados. A Carta determina
que a polícia deve agir em sintonia com os direitos humanos,
mas não estabelece como isso
deve ser feito.
A legislação nacional específica tampouco, pois não foi modificada após o fim da ditadura
militar.
Sem o amparo de uma legislação "guarda-chuva", os Estados começaram, por conta própria, a atualizar suas doutrinas.
Em São Paulo, por exemplo,
uma lei de 2001 instituiu que
violações aos direitos humanos
são agravantes às faltas cometidas pelos policiais militares.
As polícias dos Estados que
ainda não revogaram as leis
que vieram da ditadura afirmam caminhar na mesma direção. Em contato com a reportagem, todas apontaram a necessidade de mudança.
Colaborou CLAUDIO DANTAS SEQUEIRA, da Reportagem Local
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