São Paulo, segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

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Polícias militares ainda adotam leis da ditadura

Normas que definem práticas das PMs não foram atualizadas em nove Estados

Para especialistas, principal problema de regulamentos disciplinares antiquados está na limitação da garantia de respeito a direitos humanos

GISELE LOBATO
NANCY DUTRA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Nove das 27 polícias militares do país ainda adotam normas copiadas do Exército durante o regime militar. Levantamento obtido pela Folha revela que os mais de 20 anos de redemocratização não bastaram para atualizar os regulamentos disciplinares das PMs de Santa Catarina, Bahia, Rio Grande do Norte, Roraima, Amapá, Amazonas, Acre, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul.
Os regulamentos disciplinares -que definem direitos, deveres e punições às faltas dos policiais- levantados pela Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) contêm artigos que ferem a ampla defesa do policial, determinada pela Constituição de 88.
O desrespeito aos direitos começa dentro da corporação. Em pelo menos sete Estados, quem se envolver em uma falta só será ouvido se o responsável considerar "necessário".
As transgressões reunidas nos documentos também avançam sobre a liberdade e a intimidade dos policiais militares. Pelo regulamento baiano, por exemplo, o policial precisa pedir autorização para se casar. Também é proibido passear pelas ruas depois das 22h "sem permissão escrita da autoridade competente".
Nos Estados do AC, MS, AM e RN, mulheres que usarem, uniformizadas, cabelos de cor diferente da natural, não estão de acordo com a ordem. Até contrair dívidas, "comprometendo o bom nome da classe", é passível de punição.
Para Ignacio Cano, do Laboratório de Análise da Violência da Uerj, o tratamento arbitrário pauta a atuação do PM.
"Se ele é humilhado e punido injustamente, não podemos esperar que vá para a rua e trate as pessoas com gentileza", diz.
"Esses códigos são insuficientes para assegurar que a ação policial respeite os direitos do cidadão", diz Cristina Neme, do Núcleo de Estudos da Violência da USP. Para ela, os documentos herdados da ditadura priorizam a hierarquia e a disciplina em detrimento das garantias constitucionais.
A responsabilidade de adaptar os regulamentos disciplinares à Constituição de 88 é dos Estados. A Carta determina que a polícia deve agir em sintonia com os direitos humanos, mas não estabelece como isso deve ser feito.
A legislação nacional específica tampouco, pois não foi modificada após o fim da ditadura militar.
Sem o amparo de uma legislação "guarda-chuva", os Estados começaram, por conta própria, a atualizar suas doutrinas. Em São Paulo, por exemplo, uma lei de 2001 instituiu que violações aos direitos humanos são agravantes às faltas cometidas pelos policiais militares.
As polícias dos Estados que ainda não revogaram as leis que vieram da ditadura afirmam caminhar na mesma direção. Em contato com a reportagem, todas apontaram a necessidade de mudança.

Colaborou CLAUDIO DANTAS SEQUEIRA, da Reportagem Local


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