São Paulo, terça-feira, 15 de dezembro de 2009

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CECILIA GIANNETTI

Manual para as festas


Mais importante que passar esta época do ano junto de quem a gente gosta é estar junto de quem gosta da gente

MINHA primeira reação às luzes coloridas piscando em torno da janela do vizinho do prédio em frente foi de susto -uma surpresa total, e então a rejeição. Ainda estávamos na primeira semana de dezembro, mas a minha cabeça permanecia em setembro. Reneguei aquele sinal. Não podia ser o fim do ano, não podia ser o primeiro aceno do Natal e, consequentemente, do Ano Novo que virá. Setembro foi quando eu caí, muito feio, sobre meu tornozelo, correndo atrás do tempo que passou.
Se eu tenho um conselho pra deixar embaixo da sua árvore enfeitada é: não tente, sem a orientação apropriada, virar atleta aos 30 anos. Especialmente se você é do tipo que passou a vida, até esse momento, fazendo levantamento noturno de copo & croquete na madruga da Augusta, Baixo Gávea e/ou equivalentes, em vez de caminhadas e corridas diurnas.
Depois da queda, vieram a cirurgia, os pinos, a placa -"meus ferros"- e três meses de cama. Três meses de cama, leitor, te dão mais do que dor, tédio e a oportunidade de ler uma pilha de livros esquecida -quando os remédios não te botam pra dormir antes que se termine um primeiro parágrafo promissor. Existem muitas coisas piores do que viver num quarto por um trimestre, mas esse pequeno sacrifício dá algumas boas coisas em que pensar.
Do ponto de vista cronológico, o Natal "é uma data de grande importância para o Ocidente, pois marca o ano 1 da nossa história". Ou pelo menos é o que dizem. O Natal representa muitas coisas diferentes para uma grande variedade de pessoas, e para quem não compartilha da crença, representa só uma festa a mais no calendário "dos outros". Noção amplamente reconhecida neste mundo todo caquerado, fragmentado, estranhamente hiperconectado, e que às vezes acaba soterrada pelo freme-freme que marca a época.
Por mais divergentes que sejam as crenças religiosas, celebrações e códigos de conduta pelo globo, o fim de um ano -independentemente da cultura que o demarca e de quando o faz- me parece ter um denominador comum pra todos nós. Ou características que, juntas, formam esse denominador. 1) A pieguice. 2) A necessidade de estar com aqueles de quem gostamos. Ah: 3) Hordas severamente alcoolizadas, confundindo tudo com Carnaval. (Se eu não estivesse no clima para emoções fortes em interação com os leitores, eu bem poderia ter deixado de fora o item 3), o detalhe universal da bebice; porque pieguice, sozinha, já me garantiria a cota suficiente de incompreensão natalina via e-mail e cartas de leitores que julgam esse tipo de comentário desrespeitoso e merecedor de pena. Ou ira.)
O essencial aqui, cinismo à parte, é: pode não ser a sua família. Algumas vezes não é. Pode não ser o grupo com quem passou o resto do ano brindando vitórias e encharcando derrotas madrugada adentro. Muitas vezes, certamente não é. Então, quem?
E aqui retorna o eco daquele parágrafo sobre ficar meses num quarto sem poder sair e ver gente.
Melhor passar esta época do ano junto de quem a gente gosta. Fato, anotem aí. Mas passem bem a caneta-marcador em cima desta: mais importante ainda é estar junto de quem gosta da gente. (Exceções: assassinos seriais, amigos imaginários, chefes do tráfico, policiais/políticos corruptos.) Quem gosta da gente aparece quando estamos no hospital, na cama, na merda. Essa é a gente com quem você quer estar nesta época do ano e em todas as outras, essa é sua família, esses são seus amigos. O resto é enfeite de Natal.

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