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MODA
Estilistas, produtores e modelos contam histórias de muito trabalho e pouco glamour; São Paulo Fashion Week começa na terça
Passarelas escondem sacrifícios e fiascos
ERIKA PALOMINO
COLUNISTA DA FOLHA
Vai começar mais uma São
Paulo Fashion Week. A partir de
terça-feira, 47 desfiles reúnem, ao
longo de sete dias, 105 mil convidados. Outra vez, em torno de
modelos lindas, centenas de flashes espocam. Nos corredores da
Bienal, gente descolada e vestida
com as roupas mais incríveis da
estação.
Nas primeiras filas, artistas, famosos e VIPs se cumprimentam,
conversando displicentemente,
assediados pelos "papparazzi".
Nos lounges de patrocinadores,
tudo do bom e do melhor, brindes para todos. Não é só. Depois,
à noite, taças de champagne gelado tilintam docemente em restaurantes caros e festas exclusivas, sempre com os DJs mais
bombados.
Na internet e nos jornais do dia
seguinte, nas colunas sociais e extensivas coberturas, está todo
mundo lá -as celebridades, as
tops, as editoras de óculos escuros. Assim é o mundo fashion.
Glamour, glamour e glamour.
Será que é isso mesmo? Para
quem faz a moda, esse universo
representa, antes de tudo, muito
trabalho. Longe dos olhos da mídia e do público, o tal do glamour
passa longe.
"Uma vez, dormi na arquibancada da sala de desfile", conta o
diretor Carlos Pazetto. No verão
2001 da Blue Man, o piso da passarela reproduzia a calçada de
Copacabana. Ao terminar a cenografia, Pazetto descobriu que o cimento simplesmente não secava
e passou 48 horas acordado. "Às
6h, lavei o rosto, troquei de roupa
e entrei para vestir os modelos. Já
estava na hora do desfile."
Se houvesse um Dataglam, uma
espécie de índice para medir a falta de glamour dessas situações,
Pazetto teria cravado menos 1. O
fundo do poço caberia à übermodel Gisele Bündchen, que na
SPFW de 2003, fechada numa salinha por conta do assédio dos fotógrafos, teve que fazer xixi num
copinho antes de entrar na passarela. No topo, o mais 5, sonho de
dez entre dez fashionistas, estaria
uma "after-party" exclusivíssima
no Ritz, de Paris. Mas isso é privilégio de pouquíssimos; para a
maioria, sobram mesmo muito
trabalho, estresse e alguns micos
absurdos.
Em época de desfile, sono vira
artigo de luxo, e sua falta faz despencar qualquer Dataglam. À
frente de mil funcionários que fazem a montagem da São Paulo
Fashion Week, a produtora Graça
Borges, campeã de (resolver) encrencas, ficou 72 horas sem dormir antes da última edição do
evento, por conta de um problema na instalação dos painéis luminosos com os nomes dos patrocinadores. "Fiquei direto lá,
tomava banho no vestiário da
Bienal e só voltei para casa depois
do final do primeiro dia". Dataglam: menos 2.
O estilista Reinaldo Lourenço é
outro que está praticamente sem
dormir. "Estou tão ligado que,
quando chego em casa, fico anotando idéias num caderninho.
Quando durmo, não passa de
quatro horas por noite." Por conta das datas apertadas desta temporada, apenas 15 dias depois do
início "oficial" do ano (segunda-feira, 3 de janeiro), Reinaldo trabalhou todos os dias do feriado
de final de ano e não tirou férias
em 2004. Dataglam: menos 3.
Bastidores
Quem vê apenas o resultado final não faz a menor idéia do que
acontece exatamente nos bastidores de desfiles e coleções. As
roupas que aparecem na passarela começam a ser criadas cerca de
seis meses antes. Muitas vezes, até
mesmo antes do desfile da coleção anterior, como é o caso de
Alexandre Herchcovitch, organizado, sempre adiantado e nos
prazos. "Para mim o desfile de inverno [que será exibido nesta semana] já acabou", diz, enfático.
"Já estou pensando no verão
2006."
Alexandre é uma exceção. Em
geral, atrasos de peças para o desfile causam os principais transtornos para os estilistas. "Já me
aconteceu de o sapato chegar na
hora de começar. Foi um drama",
reclama Thais Losso, da Zapping.
"Na minha coleção "House Barroca" [verão 2002], uma semana
antes roubaram um carro com
todas as calças jeans. Tivemos
que refazer toda a linha, e mesmo
assim muita coisa não ficou pronta a tempo", lamenta Marcelo
Sommer. Dois casos de Dataglam
menos 4.
Timings, prazos e deadlines
enlouquecem o povo da moda.
Tudo é feito para evitar atrasos
entre um desfile e outro -esses
sim, notados pelo público, que
costuma reclamar com palmas e
até gritos. "No segundo desfile da
Cavalera na São Paulo Fashion
Week, contratamos um cenotécnico tão barato para a montagem
do cenário que ele esqueceu de
orçar a desmontagem", conta
Marcelo Rosenbaum, hoje um
badalado e experiente cenógrafo.
"Estávamos cansados e achando
que íamos celebrar o desfile e tomar um champagne com os amigos, mas tivemos que desmontar
nós mesmos todo o cenário antes
do próximo desfile", diz.
O estilista Valdemar Iódice
conta que, na última edição da semana de moda, insatisfeito com a
edição do desfile, decidiu, na véspera, mexer nos seis looks finais
da sua marca. Para que tudo ficasse pronto a tempo, a equipe
inteira de estilo, modelagem, costureiras e piloteiras virou a noite.
"Foi um dos momentos mais difíceis por que já passei, todos estavam esgotados -física e psicologicamente", lembra.
Todos esses sacrifícios por um
desfile que dura, em média, 15
minutos. O último verão da Forum, em julho, teve sucintos 13
minutos. Por trás de tanta concisão, 41 pessoas trabalharam durante seis meses na fábrica da grife no Belenzinho, entre costureiras, bordadeiras, modelistas. Para
produzir desde os acessórios até
as tinturarias das peças, são 30
oficinas terceirizadas. Na hora do
desfile, são 37 produtores no
"backstage", fazendo tudo funcionar. Mais 20 pessoas na equipe
de beleza (cabeleireiros, maquiadores), 10 profissionais na equipe
de som, 30 na comunicação
(marketing, imprensa e assessores), 30 na cenografia e 15 na luz,
outros cinco seguranças da marca e, fechando a soma, 40 modelos e seus bookers.
E para quem só vê as fotos e
pensa que é uma moleza nos camarins, é bom saber que nem
tendo comidinhas descoladas
(canapés, patês, sushi, frios, sopa
de abóbora) há garantia de se dar
bem. Sem tempo de parar e comer, a maquiadora Cris Narvaes
certa vez só chegou ao hotel às
23h, quando a cozinha já tinha fechado. "Eu estava cansada demais para sair, encontrei duas bolachas de água e sal na bolsa, dividi com meu assistente e fui dormir faminta. Fazer o quê?", lamenta ela, que nesta temporada
assina a beleza das grifes Raia de
Goeye, Ellus e Huis Clos. Também por falta de tempo para comer, a fotógrafa Silvia Boriello
desmaiou a caminho da sala e teve de ser socorrida pelos bombeiros. "Eu nem percebi que estava
sem me alimentar", conta.
O show da moda não pode parar e os fashionistas têm que trabalhar, mesmo doentes. Amir
Slama, da Rosa Chá, caiu da cadeira enquanto editava o desfile
na última temporada e machucou o pescoço. "Fiz todo o desfile
com o pescoço duro", lembra o
estilista. Dataglam: menos 3.
O glamour pode também desaparecer de repente. Na clicagem
da campanha de inverno da Redley, tudo parecia perfeito. A
equipe partiu cedo para o alto-mar na praia de Torres, Rio Grande do Sul. Fotografaram e estavam voltando ainda de manhã.
Foi quando o condutor fez uma
manobra errada e o barco virou,
arremessando para fora as 13 pessoas que estavam dentro dele.
"Ninguém se machucou gravemente, mas acabamos todos no
hospital, alguns com hipotermia e
escoriações leves", lamenta Leonardo Ferreira, estilista da Redley.
Além do susto, um grande prejuízo: todo o equipamento foi para a
água -incluindo o laptop com as
fotos que tinham acabado de fazer. "No dia seguinte tínhamos
que recuperar o tempo perdido,
mas foi difícil porque estávamos
todos ainda assustados. O fotógrafo teve que se desdobrar para
animar as modelos", conta Leonardo. Dataglam: menos 5.
Os problemas acontecem também fora do Brasil. "Na última
temporada de Paris, participei de
cinco desfiles num dia e fui para a
prova de roupa da Louis Vuitton.
A prova só começou à 1h e eu fiquei presa lá até as 6h", conta a
modelo brasileira Marcelle Bittar,
que só teve tempo de passar no
hotel e lavar o rosto, seguindo para o desfile de Valentino, que ia
rolar logo de manhã. Dataglam:
menos 1.
Cobrindo para o site especializado "Fashion Wired Daily", um
dos mais influentes da rede, o editor norte-americano Godfrey
Deeny, que veio para a SPFW no
ano passado, conta que uma vez,
em Milão, assistiu sete desfiles seguidos num dia. Depois, chegando ao hotel, escreveu cinco artigos, editou o material e ainda enviou as fotos feitas de sua câmera
digital.
"Uma jornada de trabalho tem
normalmente 35 horas por semana. Os fashionistas gostam tanto
da sua profissão que repetem essa
jornada duas vezes por semana",
brinca o jornalista, que depois
dessa maratona se jogou numa
das festas da temporada. Porque
afinal, ninguém é de ferro, não?
Colaboraram JACKSON ARAUJO e
ANDRÉ DO VAL
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