São Paulo, terça-feira, 16 de janeiro de 2007

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Van aparece na cratera de lama e tudo se silencia

Cerca de 30 familiares de vítimas aguardam a retirada do microônibus

Coordenador diz não saber quando trabalhos serão concluídos e avalia como remota chance de haver sobreviventes

LAURA CAPRIGLIONE
DA REPORTAGEM LOCAL

Fez-se um silêncio de doer os ouvidos quando, às 16h, soldados do Corpo de Bombeiros começaram a descer as encostas da cratera aberta pelo desabamento do túnel do metrô, bem ao lado da marginal Pinheiros. Um grupo levava sacos acinzentados, com a inscrição "IML" em letras negras. Outro transportava macas. Um terceiro arrastava pela lama de várias cores o maçarico para rasgar metal. A maioria levava pás.
A um sinal de mão do engenheiro do consórcio responsável pela obra, todas as seis retroescavadeiras até então em trabalho frenético recolheram seus braços e pararam -os motores desligados. Operários cruzaram os braços. Policiais pararam de andar de um lado para outro. Funcionários da Defesa Civil encarapitaram-se em pedras para ver o que acontecia no fundo do buraco. Um perito da Polícia Civil, camiseta preta, esgueirou-se pela cova com câmera fotográfica e flash. Até os helicópteros das câmeras de televisão sumiram de vista, levando consigo o ruído característico das hélices.
O microônibus acabava de ser encontrado -agora pela parte de cima da cratera (anteontem, o veículo tinha sido avistado por um túnel de acesso). O resgate parecia iminente.
Em uma rua ao lado, sem que ninguém os avisasse, mas alertados pelo silêncio repentino, cerca de 30 familiares dos desaparecidos levantaram-se a um só tempo das cadeiras de plástico branco colocadas em um trecho isolado da calçada -para protegê-los do assédio de curiosos e da imprensa.
Policiais femininos não deixavam nenhum dos parentes aproximar-se demais da cratera. Bem que o pai do motorista Reinaldo Aparecido Leite tentou ir acompanhar os trabalhos. Logo foi trazido de volta, sorriso travesso no rosto que, no entanto, estava molhado de lágrimas e de suor (a temperatura na cova era de 28ºC).
Os parentes ficaram assim, em silêncio, como todos em volta, até as 17h30, quando o capitão bombeiro Minori, coordenador dos trabalhos de resgate das vítimas, subiu as encostas da cratera e, voz tranqüila, deu o informe: "Não conseguimos retirar as vítimas"; "O microônibus está todo retorcido e amassado. Teremos de tentar o resgate por baixo de novo. E vamos assim, por baixo e por cima, até conseguirmos".
Foi alvejado por perguntas:
"Existem sobreviventes?" As chances são remotas, explicou Minori. "Se fosse um prédio que tivesse desabado, a gente poderia até ter a esperança de encontrar alguém vivo por ter se protegido sob lajes que formassem uma espécie de bolsão com ar. Mas o que desabou aqui foi terra sobre terra. Compacta. Não existe ar que pudesse manter vivo um ser humano. Nenhum. Só terra."
"Quantos corpos já foram encontrados?" Minori contou que, até aquela hora, um corpo, o da aposentada Abigail Rossi de Azevedo, tinha sido retirado da terra. "Hoje, encontraram um braço no aterro de Carapicuíba [para onde os caminhões estão levando a terra retirada da cratera, na Grande São Paulo]. Eu achei que pudesse ser de outra vítima, mas não era. Temos de nos preparar para isso também." Uma parente emenda: "Nós estamos preparados".
"Até quando teremos de esperar?" Minori disse não saber responder. "Eu esperava que o resgate acabasse ontem [domingo]. Vamos até o fim."

Mais um corpo
Os parentes não choram. Falam pouco e baixinho. Parecem exaustos. Minori sai e todos desabam nas cadeiras de plástico branco. Minutos depois, vem um outro soldado bombeiro com a notícia crua: "Acabamos de retirar um pedaço de um corpo". "Um pedaço?"
Todos os parentes levantam-se de novo. Cercam o soldado, que se limita a dizer: "Só deu para sair uma parte, que parece ser de uma mulher. Estava no último banco do microônibus". Parentes de desaparecidos homens afastam-se quietos. Não fazem comentários nem perguntas. O soldado volta para seu trabalho no buraco.
Quase dependurada na cova, uma casa escancara o modo de vida de um dos seus moradores. Com parte das paredes já desabada, vê-se o quarto: cama de solteiro com a colcha colorida, ventilador de teto, TV de tela plana, aparelho de som, muitos CDs. A casa será demolida com tudo dentro -móveis, aparelhos, lembranças, tudo. Qualquer tentativa de tirar alguma coisa de dentro é arriscada.
Às 18h, PMs, bombeiros, assistentes sociais da prefeitura, operários e engenheiros começam a sair da área. "É fim de turno?", pergunta um parente. "E nós?", inquieta-se outro. "Os trabalhos vão prosseguir", tenta tranqüilizar a funcionária da prefeitura. Os parentes decidem ficar. Querem acompanhar os esforços do último bombeiro no buraco.


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