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Van aparece na cratera de lama e tudo se silencia
Cerca de 30 familiares de vítimas aguardam a retirada do microônibus
Coordenador diz não
saber quando trabalhos serão concluídos e avalia como remota chance
de haver sobreviventes
LAURA CAPRIGLIONE
DA REPORTAGEM LOCAL
Fez-se um silêncio de doer os
ouvidos quando, às 16h, soldados do Corpo de Bombeiros começaram a descer as encostas
da cratera aberta pelo desabamento do túnel do metrô, bem
ao lado da marginal Pinheiros.
Um grupo levava sacos acinzentados, com a inscrição
"IML" em letras negras. Outro
transportava macas. Um terceiro arrastava pela lama de várias cores o maçarico para rasgar metal. A maioria levava pás.
A um sinal de mão do engenheiro do consórcio responsável pela obra, todas as seis retroescavadeiras até então em
trabalho frenético recolheram
seus braços e pararam -os motores desligados. Operários
cruzaram os braços. Policiais
pararam de andar de um lado
para outro. Funcionários da
Defesa Civil encarapitaram-se
em pedras para ver o que acontecia no fundo do buraco. Um
perito da Polícia Civil, camiseta
preta, esgueirou-se pela cova
com câmera fotográfica e flash.
Até os helicópteros das câmeras de televisão sumiram de
vista, levando consigo o ruído
característico das hélices.
O microônibus acabava de
ser encontrado -agora pela
parte de cima da cratera (anteontem, o veículo tinha sido
avistado por um túnel de acesso). O resgate parecia iminente.
Em uma rua ao lado, sem que
ninguém os avisasse, mas alertados pelo silêncio repentino,
cerca de 30 familiares dos desaparecidos levantaram-se a um
só tempo das cadeiras de plástico branco colocadas em um trecho isolado da calçada -para
protegê-los do assédio de curiosos e da imprensa.
Policiais femininos não deixavam nenhum dos parentes
aproximar-se demais da cratera. Bem que o pai do motorista
Reinaldo Aparecido Leite tentou ir acompanhar os trabalhos. Logo foi trazido de volta,
sorriso travesso no rosto que,
no entanto, estava molhado de
lágrimas e de suor (a temperatura na cova era de 28ºC).
Os parentes ficaram assim,
em silêncio, como todos em
volta, até as 17h30, quando o
capitão bombeiro Minori, coordenador dos trabalhos de resgate das vítimas, subiu as encostas da cratera e, voz tranqüila, deu o informe: "Não conseguimos retirar as vítimas"; "O
microônibus está todo retorcido e amassado. Teremos de
tentar o resgate por baixo de
novo. E vamos assim, por baixo
e por cima, até conseguirmos".
Foi alvejado por perguntas:
"Existem sobreviventes?" As
chances são remotas, explicou
Minori. "Se fosse um prédio
que tivesse desabado, a gente
poderia até ter a esperança de
encontrar alguém vivo por ter
se protegido sob lajes que formassem uma espécie de bolsão
com ar. Mas o que desabou aqui
foi terra sobre terra. Compacta.
Não existe ar que pudesse manter vivo um ser humano. Nenhum. Só terra."
"Quantos corpos já foram encontrados?" Minori contou
que, até aquela hora, um corpo,
o da aposentada Abigail Rossi
de Azevedo, tinha sido retirado
da terra. "Hoje, encontraram
um braço no aterro de Carapicuíba [para onde os caminhões
estão levando a terra retirada
da cratera, na Grande São Paulo]. Eu achei que pudesse ser de
outra vítima, mas não era. Temos de nos preparar para isso
também." Uma parente emenda: "Nós estamos preparados".
"Até quando teremos de esperar?" Minori disse não saber
responder. "Eu esperava que o
resgate acabasse ontem [domingo]. Vamos até o fim."
Mais um corpo
Os parentes não choram. Falam pouco e baixinho. Parecem
exaustos. Minori sai e todos desabam nas cadeiras de plástico
branco. Minutos depois, vem
um outro soldado bombeiro
com a notícia crua: "Acabamos
de retirar um pedaço de um
corpo". "Um pedaço?"
Todos os parentes levantam-se de novo. Cercam o soldado,
que se limita a dizer: "Só deu
para sair uma parte, que parece
ser de uma mulher. Estava no
último banco do microônibus".
Parentes de desaparecidos homens afastam-se quietos. Não
fazem comentários nem perguntas. O soldado volta para
seu trabalho no buraco.
Quase dependurada na cova,
uma casa escancara o modo de
vida de um dos seus moradores.
Com parte das paredes já desabada, vê-se o quarto: cama de
solteiro com a colcha colorida,
ventilador de teto, TV de tela
plana, aparelho de som, muitos
CDs. A casa será demolida com
tudo dentro -móveis, aparelhos, lembranças, tudo. Qualquer tentativa de tirar alguma
coisa de dentro é arriscada.
Às 18h, PMs, bombeiros, assistentes sociais da prefeitura,
operários e engenheiros começam a sair da área. "É fim de
turno?", pergunta um parente.
"E nós?", inquieta-se outro. "Os
trabalhos vão prosseguir", tenta tranqüilizar a funcionária da
prefeitura. Os parentes decidem ficar. Querem acompanhar os esforços do último
bombeiro no buraco.
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