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Corpo de cicloativista enfrenta burocracia de 25 h para ser doado
Esse foi o tempo decorrido entre a entrada do corpo da ciclista no IML (Instituto Médico Legal) de SP até a chegada à Unifesp
Um dos últimos desejos de Márcia Regina de Andrade Prado era que o seu corpo fosse doado para pesquisa
e ensinos da medicina
LAURA CAPRIGLIONE
DA REPORTAGEM LOCAL
Às 17h de ontem, pouco antes
do ato em homenagem à ciclista Márcia Regina de Andrade
Prado, 40, que morreu na quarta-feira após ser atropelada na
avenida Paulista, em São Paulo,
um grupo de parentes e amigos
com semblantes exaustos e
olhos inchados dava por encerrada a missão quase impossível
de satisfazer um dos últimos
desejos da morta: que seu corpo fosse doado para a pesquisa
e o ensino médicos.
Segundo a amiga Vera Lucia
Mestre Rosa, 48, foram necessárias 25 horas a partir das 16h
de anteontem (quando o cadáver de Márcia entrou no Instituto Médico Legal) para que a
disciplina de anatomia da Universidade Federal de São Paulo
(Unifesp) recebesse o corpo.
No meio da tarde, uma funcionária do IML veio com o aviso: se a remoção não acontecesse ontem mesmo, provavelmente a doação não poderia
mais ser feita. O corpo estaria
em decomposição avançada demais para fins didáticos ou de
pesquisa, já que também passara mais quatro horas e 15 minutos estendido na Paulista, temperatura ambiente de 32C, à
espera do carro do IML.
"Ficamos desconsoladas. Por
coincidência, neste último final
de semana, estávamos juntas e
a Márcia falou sobre o desejo de
doar o corpo para uma universidade", lembra a amiga Vera,
que é dentista. "A Márcia fez
um tratamento de acupuntura
na Unifesp e ficou sabendo dessa possibilidade pós-morte. Ficou entusiasmada com a ideia",
corrobora a psicóloga Lilian
Finkelstein, também presente
na reunião das amigas.
A primeira dificuldade enfrentada para a doação foi a
própria circunstância da morte. O corpo precisava ser primeiro necropsiado, para instruir o inquérito policial. Depois, havia o fator surpresa.
Uma funcionária do IML disse
à Folha que nunca, em seis
anos de trabalho, viu caso igual.
"Não existe protocolo para a
doação de corpo para o ensino
e a pesquisa já que as escolas
médicas são supridas com cadáveres de indigentes", disse
ela. "Ninguém sabia como proceder em um caso como esse",
afirma o amigo Marcelo Fernandes, 48.
Ele foi para a delegacia e para
o Fórum Criminal da Barra
Funda, pegar a autorizações
para a doação; uma amiga foi ao
cartório. Quando todas as permissões estavam concedidas,
surgiu o problema: e quem leva
o corpo?
O IML não leva cadáver
-busca. Na Unifesp, que o receberia, o professor titular da
Disciplina de Anatomia Descritiva do Departamento de Morfologia Ricardo Luiz Smith às
15h deu o retorno: não conseguira localizar o responsável
pela garagem, portanto não podia providenciar o transporte.
Um funcionário sugeriu usar
o Serviço Funerário. Ao procurá-lo, o grupo de amigos e parentes foi informado de que teria de pagar como se o corpo
fosse ser enterrado ou cremado, custos de caixão incluídos.
Choro, lágrimas, o IML inteiro mobilizou-se para resolver o
problema. O fato é que o corpo
chegou à Unifesp pontualmente às 17h. A dentista Vera, que
trabalha como voluntária na
universidade, recebeu o protocolo da doação. "A Márcia tinha
músculos invejáveis", diz ela,
para explicar que os alunos poderão aprender muito no cadáver da amiga.
Em volta, os colegas ciclistas
prometiam para os próximos
dias: vão chumbar uma bicicleta em frente ao local em que o
corpo da amiga tombou sob a
roda do ônibus. Será o memorial de Márcia na Paulista, dizem eles.
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