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DANUZA LEÃO
Um pai
Uma mãe com o filho no colo
é uma imagem quase banal;
afinal, desde que o mundo é mundo, todas as mães carregam os filhos pequenos no colo (e gostariam de continuar fazendo isso
pelo resto da vida, só que eles não
deixam).
Já os pais são diferentes; um homem com o filho nos braços é difícil de ver, a não ser no dia do nascimento -por minutos, e mesmo
assim apavorado, com medo que
a criança caia no chão. A partir
daí, a cena se torna mais rara.
As mulheres estão sempre com o
filho no colo, seja para amamentar, fazer dormir ou pedir esmola.
Já os homens só carregam os seus
em situações extremas: numa
guerra, numa enchente ou entrando num hospital.
Os pais se sentem responsáveis
pelos filhos no que diz respeito a
pagar o colégio, a escolher uma
profissão, a prevenir sobre o perigo das drogas e da Aids; mas raramente se vê um pai encostando
a mão na testa do filho para ver se
a febre baixou, ou preocupado
porque ele não comeu direito no
almoço.
Inventaram que essas são funções exclusivamente femininas,
portanto da mãe, da tia, da avó
ou da babá; em qualquer caso,
sempre da competência e da responsabilidade das mulheres.
Mas pode acontecer de um dia,
inesperadamente, o pai ter que
ser um pouco mãe; sem testemunhas, eles conseguem relaxar e se
entregar a um amor muito profundo, um amor que envolve responsabilidade física pela criança,
o que só faz aumentar o sentimento.
Outro dia, num aeroporto, eu
vi: era uma família -mãe, pai e
três filhos- esperando numa sala de embarque para fazer uma
troca de avião. Tiveram que esperar algumas horas, e as crianças,
depois de terem brincado de pique, apostado corrida e outras
gracinhas iguais, foram caindo
pelo chão exaustas -a sala estava cheia e não havia cadeiras para todos os passageiros. Num determinado momento, a mãe se levantou para levar uma delas ao
banheiro; o pai olhou o garoto
menor -de quatro ou cinco
anos-, que dormia com a cabeça
em cima da mochila, e botou ele
no colo. No princípio, olhando em
volta para ver se alguém estava
prestando atenção e totalmente
desajeitado; mas como todos estavam ocupados com seus próprios
problemas, ele relaxou e foi se entregando, devagarzinho.
Começou olhando com muita
atenção para o seu rosto; observou os traços, como se estivesse
procurando descobrir com quem
ele se parecia. Acompanhou com
um dedo o desenho do nariz, depois afastou com uma das mãos
os cabelos do rosto, fez um carinho e encaixou melhor o filho no
colo. E continuou olhando, com
um amor que talvez nem ele mesmo soubesse que existia, de tão
grande.
Uma pessoa que dorme é uma
pessoa desprotegida; quando se
trata de uma criança, e ainda por
cima de um filho pequeno, você
olha e, mesmo sem querer, pensa
em como será o seu futuro, nos
riscos que vai correr, no mistério
que é a vida. São pensamentos
que não ocorrem no dia-a-dia, e
que só em situações singulares
um homem tem tempo de ter.
Numa hora qualquer o pai
apertou mais forte o corpo do filho -tão frágil como um passarinho- e parecia estar pensando
que faria qualquer coisa, tudo,
para ele ser feliz. Nesse momento,
não dava para saber quem era
mais frágil: se ele ou o filho.
Quem vê uma cena dessas se
emociona e pensa: os homens podem ser atraentes, inteligentes,
charmosos, sexy, o que for, mas
raramente são comoventes.
O que, aliás, é uma pena.
E-mail - danuza.leao@uol.com.br
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