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São Paulo, domingo, 16 de fevereiro de 2003

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DANUZA LEÃO

Um pai

Uma mãe com o filho no colo é uma imagem quase banal; afinal, desde que o mundo é mundo, todas as mães carregam os filhos pequenos no colo (e gostariam de continuar fazendo isso pelo resto da vida, só que eles não deixam).
Já os pais são diferentes; um homem com o filho nos braços é difícil de ver, a não ser no dia do nascimento -por minutos, e mesmo assim apavorado, com medo que a criança caia no chão. A partir daí, a cena se torna mais rara.
As mulheres estão sempre com o filho no colo, seja para amamentar, fazer dormir ou pedir esmola. Já os homens só carregam os seus em situações extremas: numa guerra, numa enchente ou entrando num hospital.
Os pais se sentem responsáveis pelos filhos no que diz respeito a pagar o colégio, a escolher uma profissão, a prevenir sobre o perigo das drogas e da Aids; mas raramente se vê um pai encostando a mão na testa do filho para ver se a febre baixou, ou preocupado porque ele não comeu direito no almoço.
Inventaram que essas são funções exclusivamente femininas, portanto da mãe, da tia, da avó ou da babá; em qualquer caso, sempre da competência e da responsabilidade das mulheres.
Mas pode acontecer de um dia, inesperadamente, o pai ter que ser um pouco mãe; sem testemunhas, eles conseguem relaxar e se entregar a um amor muito profundo, um amor que envolve responsabilidade física pela criança, o que só faz aumentar o sentimento.
Outro dia, num aeroporto, eu vi: era uma família -mãe, pai e três filhos- esperando numa sala de embarque para fazer uma troca de avião. Tiveram que esperar algumas horas, e as crianças, depois de terem brincado de pique, apostado corrida e outras gracinhas iguais, foram caindo pelo chão exaustas -a sala estava cheia e não havia cadeiras para todos os passageiros. Num determinado momento, a mãe se levantou para levar uma delas ao banheiro; o pai olhou o garoto menor -de quatro ou cinco anos-, que dormia com a cabeça em cima da mochila, e botou ele no colo. No princípio, olhando em volta para ver se alguém estava prestando atenção e totalmente desajeitado; mas como todos estavam ocupados com seus próprios problemas, ele relaxou e foi se entregando, devagarzinho.
Começou olhando com muita atenção para o seu rosto; observou os traços, como se estivesse procurando descobrir com quem ele se parecia. Acompanhou com um dedo o desenho do nariz, depois afastou com uma das mãos os cabelos do rosto, fez um carinho e encaixou melhor o filho no colo. E continuou olhando, com um amor que talvez nem ele mesmo soubesse que existia, de tão grande.
Uma pessoa que dorme é uma pessoa desprotegida; quando se trata de uma criança, e ainda por cima de um filho pequeno, você olha e, mesmo sem querer, pensa em como será o seu futuro, nos riscos que vai correr, no mistério que é a vida. São pensamentos que não ocorrem no dia-a-dia, e que só em situações singulares um homem tem tempo de ter.
Numa hora qualquer o pai apertou mais forte o corpo do filho -tão frágil como um passarinho- e parecia estar pensando que faria qualquer coisa, tudo, para ele ser feliz. Nesse momento, não dava para saber quem era mais frágil: se ele ou o filho.
Quem vê uma cena dessas se emociona e pensa: os homens podem ser atraentes, inteligentes, charmosos, sexy, o que for, mas raramente são comoventes.
O que, aliás, é uma pena.

E-mail - danuza.leao@uol.com.br


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