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SENHORA DO DESTINO
Termos usados na trama da Globo são "pejorativos" e "cruéis"
Para ONGs, novela reforça preconceito a mulher infértil
CLÁUDIA COLLUCCI
DA REPORTAGEM LOCAL
Cris foi chamada de recalcada
pela cunhada. Odete, proibida de
passear no playground com o sobrinho. Heloísa, impedida de acariciar a barriga da amiga grávida.
Em comum, têm o fato de sofrerem dificuldades de gravidez e colecionarem histórias de preconceito por causa dessa condição.
Na semana passada, ONGs que
tratam de questões ligadas à infertilidade enviaram mensagens de
protesto à Rede Globo em razão
de cenas da novela "Senhora do
Destino" que reforçariam falsos
estereótipos em relação à mulher
infértil.
Na trama, a vilã Nazaré (Renata
Sorrah) é estéril e seqüestrou Isabel (Carolina Dieckman) quando
ela era bebê. Adulta e grávida, Isabel descobre as mentiras da falsa
mãe e diz pérolas do tipo "ela [Nazaré] me olhou com o ódio de
uma mulher estéril para uma grávida", "você [Nazaré] é seca",
"nunca vai entender o que é amor
porque nunca foi mãe" e "sua
barriga é oca".
A personagem Maria do Carmo
(Suzana Vieira), mãe de Isabel,
também não deixa por menos.
Ofendida por Nazaré, devolve o
insulto com algum termo pejorativo referente à condição de estéril
da vilã.
"É um absurdo. Os termos seca
e oca são pejorativos, cruéis. Em
hipótese nenhuma devemos permitir que sejam associados à infertilidade", diz Odete dos Santos,
46, da ONG Projeto Ser Mãe, que
reúne mulheres com dificuldade
de gravidez ou vítimas de abortos.
Para a psicóloga Helena Lima,
professora da PUC e presidente
da ONG Statamo, de educação e
saúde, retratar o "olhar da mulher
estéril" como nocivo ou maléfico
e ter a bondade refletida na fertilidade (Maria do Carmo) "é ótimo
para entreter, mas tende a reforçar preconceitos". "Mulheres sem
filhos já sofrem bastante. No Brasil, esse preconceito é imenso e
ainda gera outros preconceitos
sociais e raciais."
A psicóloga Luciana Leis, que
trabalha com casais inférteis, reforça que é preciso tomar cuidado
com as possíveis associações que
podem ser criadas a partir de Nazaré. "Ao escolherem uma personagem má e instável emocionalmente para representar a esterilidade, pode-se pensar que toda
mulher infértil tenha distúrbios
psicológicos", diz.
Estima-se que 2,1 milhões de casais brasileiros sofram dificuldades de gravidez. Desses, pelo menos 500 mil vão precisar recorrer
a tratamentos mais complexos,
como a fertilização in vitro (FIV),
conhecida por "bebê de proveta".
Porém, menos de 2% deles têm
condições de se tratarem em clínicas privadas, que chegam a cobrar
R$ 18 mil por ciclo de FIV.
Há uma semana, o governo federal anunciou que estuda oferecer tratamento de reprodução assistida na rede SUS, como parte
da política nacional de planejamento familiar.
O médico Selmo Geber, professor de ginecologia da UFMG
(Universidade Federal de Minas
Gerais), lembra que esse tipo de
distorção faz com que casais que
enfrentam dificuldades de gravidez se sintam ainda mais isolados.
Rose, 38, concorda. Casada há
11 anos, ela tenta engravidar há 9.
Já tentou várias induções de ovulação com medicamentos, quatro
inseminações e três FIVs.
"Eu e meu marido nunca falamos para ninguém da nossa dificuldade de engravidar. Não conseguiríamos conviver com pessoas sentindo pena, ironizando-nos. É mais fácil dizer que não
queremos filhos."
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