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MOACYR SCLIAR
Casamento virtual
O mundo todo queria
vê-lo casado com uma personagem de história em quadrinhos, nova ou antiga
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Japonês faz campanha on-line para "casar" com personagem de desenho animado. O japonês Taichi Takashita iniciou uma campanha na internet para conseguir que seres humanos possam se casar
com personagens de desenho animado, e já tem o apoio de milhares de pessoas. "É amor real, mesmo que a pessoa seja ficcional. Gostaria de ter autorização legal para o matrimônio", disse. Folha Online
DEPOIS DE MUITOS abaixo-assinados, de entrevistas para a
TV e até de demonstrações
na rua (muitas pessoas usando fantasias do Pato Donald, do camundongo Mickey e de Minnie) a campanha finalmente teve êxito: o casamento com personagens de desenhos animados finalmente foi reconhecido como legal pelas autoridades.
Com o que ele deveria ficar contente: afinal, tinha liderado a campanha, ficara conhecido internacionalmente por isso. Mas a verdade é
que estava apreensivo, muito
apreensivo. O mundo todo queria
vê-lo casado com uma personagem
de história em quadrinhos, nova ou
antiga. Um empresário de telecomunicações chegara mesmo a oferecer-lhe uma fortuna para mostrar a
cena histórica antes dos concorrentes. E casar ele queria, mas, e aí vinha
o problema, quem seria sua eleita?
Gostava de todas, mas de nenhuma
em especial. Sua indecisão já estava
gerando estranheza entre os fãs, revolta mesmo. Milhares de pessoas
que tinham apoiado sua luta agora
sentiam-se frustradas, enganadas.
Ele precisava se casar com uma
heroína de quadrinhos ou de desenho animado. E se nenhuma delas
fazia bater mais forte o seu coração
-o jeito era criar uma amada virtual. Foi o que ele fez.
Recorreu a um amigo de longa data que fazia curtos filmes de animação para a tevê. Explicou-lhe o dilema que estava vivendo, pediu sua
ajuda. O amigo vacilou: não costumava produzir personagens por encomenda. Mas amigo é para essas
coisas, e resolveu atender o pedido.
Durante dias discutiram como seria essa mulher de sonhos. Jovem,
claro, e bonita, mas isso não era suficiente: deveria ser alguém muito especial: uma princesa, dessas de histórias antigas.
O produtor então fez o desenho
animado, com uma historinha simples e clássica: princesa é raptada
por um feiticeiro, o herói resgata-a.
Apaixonam-se, casam, vivem felizes
para sempre. O herói era, naturalmente, o líder da campanha pelo casamento virtual.
O filme teve enorme sucesso e o
casamento foi devidamente registrado num tribunal. Mas o personagem principal da história, o rapaz
que havia liderado a campanha pelo
matrimônio com personagens imaginários, esse não estava satisfeito.
Ao contrário, sua vida transformou-se num inferno. Por causa dos ciúmes, naturalmente.
Cada vez que, junto a seu amigo
produtor, ele revê o desenho animado (e isso acontece com frequência)
a suspeita cresce dentro dele: tem
certeza de que, da tela, a princesa
lança olhares sedutores para o seu
criador. É uma situação que não
aguenta mais, e para a qual só vê
uma solução: a separação legal e definitiva. Quer que a lei garanta divórcio para aqueles que, equivocadamente, casaram com personagens
virtuais. É a única forma de recuperar a sua dignidade. Pelo divórcio
virtual ele fará qualquer campanha.
MOACYR SCLIAR escreve, às segundas-feiras, um texto
de ficção baseado em notícias publicadas na Folha
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