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São Paulo, domingo, 16 de março de 2003

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DANUZA LEÃO

Só ela entende

Aí, ela resolveu se separar.
Não tinha acontecido nada; nada de mais. Ele era um bom marido? Era. Um bom pai? Era. Tinha a maioria das qualidades que se pretende de um marido?
Tinha. E os defeitos, eram muitos? Até que não; só que ela não queria mais.
Mas, sendo de família mais ou menos careta e mais ou menos tradicional, não podia se separar assim sem mais nem menos. Tinha que haver uma comunicação oficial, e só estava na dúvida se comunicava antes ou depois do fato consumado. Conhecendo bem os pais, resolveu primeiro falar com o marido, para que não houvesse pressão -a mesma pressão que foi exercida com tanta maestria quando a irmã mais velha estava querendo mudar o rumo da sua vida.
Foi um triunfo, e até hoje, volta e meia, alguém diz que o casamento foi salvo graças à união da família.
Só que ela não queria que ninguém salvasse o seu, muito pelo contrário. Mas não podia fazer as coisas do jeito que gostaria, e tinha -tinha- que falar com os pais. Telefonou e disse que ia passar depois do jantar.
Como nenhuma filha vai à casa dos pais à noite sozinha, quando chegou perguntaram logo por ele, e esse foi o começo do pesadelo.
Mas como assim? Ela descobriu alguma coisa da vida dele? Ele tinha batido nela? Estava faltando alguma coisa? Ele por acaso deu para beber? Como a resposta a todas as perguntas era não, o irmão mais novo teve a ousadia de perguntar se ela estava apaixonada por alguém, e a resposta foi mais um não.
Até o novo Código Civil aceita a falta de amor como razão para acabar um casamento, mas pai e mãe, sabe como é.
Ela bem que tentou, só que nem ela mesma sabia explicar por que não podia mais dormir e acordar com ele, jantar na mesma mesa, passar os fins de semana com a cabeça longe, sem assunto. Era isso: ela não tinha mais assunto, e os dele não interessavam mais.
A falta de assunto, evidentemente, não convence nenhum pai e nenhuma mãe como razão para uma separação. O pai tentou, mas como compreender uma coisa que ele não compreendia? Se achando moderno, fez a pergunta fatal: "E fisicamente, como vocês vão?". Ela respondeu que mais ou menos; por respeito aos anos que tinham vivido juntos, achou mais delicado não abrir o jogo completamente -fora o fato de achar que discutir sexo com pai e mãe não tem nada a ver. Ainda tentando evitar o pior -que para ela seria o melhor-, eles quiseram saber se ela já havia falado com ele. Já, naquela manhã.
Então não tinha mais volta. Não, não tinha. Sendo assim, tentaram compreender o que tinha acontecido verdadeiramente, como se ela fosse não uma filha, apenas uma amiga. É incrível, mas é mais fácil compreender os problemas dos menos próximos que os das pessoas que mais amamos na vida, vai entender.
De pergunta em pergunta, chegaram àquela, a crucial: "Mas ele não te faz feliz?". Ela pensou, pensou e respondeu: "Até faz".
E foi nessa hora que a ficha caiu. Ele ainda a fazia feliz, mas não tinha mais a capacidade de fazê-la infeliz.
Um raciocínio, convenhamos, sofisticado demais para pai e mãe, mas plenamente satisfatório para ela.

E-mail - danuza.leao@uol.com.br


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