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São Paulo, domingo, 16 de março de 2003

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"DELIVERY"

Usuários podem receber a droga disfarçada em buquês de flores, em pizzas e até em ovos de Páscoa

Serviço entrega cocaína em domicílio

DA REPORTAGEM LOCAL

"Grã-finos com muito dinheiro, tipo executivo, empresário, esses querem segurança e pagam por isso. Preferem que a entrega seja feita no escritório, no horário comercial, disfarçada em pacotes, em buquês de flores, pizza, até em ovo de Páscoa. Se o cliente é dos Jardins, vai pagar R$ 150 por uns quatro gramas, de boa qualidade. Se é da periferia ou bairro central, vai pagar R$ 70 ou R$ 80 e vai levar uns três gramas, muitas vezes batizada (com alguma mistura)." O relato é de Cláudio, 37, "nome de guerra" de um assistente de vendas que há cinco anos dedica parte de seu tempo a fazer entregas de cocaína em domicílio.
Giovanni Quaglia, diretor no Brasil do Escritório das Nações Unidas para o Combate ao Crime e às Drogas, diz que o tráfico e suas ações ousadas são financiadas pelas classes média e alta. Em troca de segurança, pagam cada vez mais, incluindo o preço da entrega. Uma das propostas de Quaglia é chamar a atenção dos consumidores para a sua co-responsabilidade no crime.
O "entregador" Cláudio não se considera um "passador de drogas" como os outros. Diz que só entrega a amigos e conhecidos, que sabem o número de seu celular e em quem tem total confiança. "Há mais de 20 anos conheço gente que faz de tudo nesse meio, por isso sei como funciona." Abaixo, trechos do depoimento que deu à Folha:
"O delivery cobra de acordo com a quantidade que entrega. É 10% do valor do negócio, em dinheiro ou em mercadoria. A taxa de entrega pode até ser menor se a encomenda for grande, acima de 50 gramas. Gente com dinheiro que costuma cheirar nos fins de semana costuma fazer um pool; compram 50 gramas, depois dividem.
A forma de entrega é sempre combinada com o cliente, a maneira como o entregador vai se identificar, como será passado o dinheiro, tudo da forma mais segura para os dois. É sempre durante o dia, de preferência no escritório, longe da família. Telefonar pedindo de madrugada pode custar o dobro, mas no meu caso eu desligo o celular e pronto. No final de semana também não adianta ligar. O resto da semana costuma ser bom todos os dias, até as segundas-feiras.
Meus clientes não são dependentes, na maioria, mas usam todo final de semana. Os que têm dinheiro gastam uns R$ 600 a R$ 800 por mês. Os que têm menos ficam entre R$ 200 e R$ 300. Mas tem gente que um dia começa a cheirar, fica fissurada e sai de madrugada procurando coca, pega o carrão e vai para as bocas. Lá é bem mais barato e bem servida, mas o risco é grande. Tem boca como a do Colina, a do Jardim Elba, a do Jardim Miriam, da Brasilândia, que chega a formar filas de carro na madrugada. Até carro importado.
As boas bocas de São Paulo chegam a vender de oito a dez quilos por semana. Contando umas 400 bocas, muitas fraquinhas, vai dar por baixo um movimento de dez toneladas de cocaína por mês na cidade. É por baixo. E, se a gente puser a R$ 40 por grama, vai dar um movimento de uns R$ 400 milhões por mês".
(AURELIANO BIANCARELLI)


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