São Paulo, domingo, 16 de abril de 2006

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PASSADO PERDIDO

Sítios com relíquias são destruídos por construções ou ficam desprotegidos; região metropolitana tem 64 áreas

SP não preserva sua memória arqueológica

Eduardo Knapp/Folha Imagem
Ruínas de casa de taipa do fim do século 18, no Itaim Bibi


AFRA BALAZINA
DA REPORTAGEM LOCAL

Restam apenas 4 m2 de área para contar a história que havia no sítio arqueológico do Morumbi, um dos mais importantes na área urbana de São Paulo. Em seu lugar, deve ser concluído um condomínio de casas de alto padrão.
Esse é o caso mais emblemático de destruição ou descaso com os sítios na cidade mais desenvolvida do país. Um levantamento feito pelo arqueólogo Paulo Zanettini para seu doutorado na USP aponta a existência de 37 sítios arqueológicos na capital e 27 na região metropolitana -além de nove achados fortuitos de urnas funerárias, fragmentos de cerâmica e machado polido. Muitos deles, porém, estão em mau estado.
"Não há sítios bem conservados. A Casa do Itaim Bibi, por exemplo, feita de taipa, está inacessível ao público, coberta por plástico preto, corre risco de cair. Se fosse escavado o estacionamento vizinho à casa, seria possível achar e resgatar muitos vestígios", diz Zanettini. "No subsolo do Itaim Bibi, em área nobre da cidade, há recursos arqueológicos a serem aproveitados."
De acordo com ele, a casa é um exemplar do século 18 que posteriormente pertenceu a Leopoldo Couto Magalhães -que consolidou a ocupação do Itaim Bibi.
Outro exemplo de degradação fica em Ermelino Matarazzo (zona leste). "O sítio Mirim, com uma casa bandeirista do século 17, hoje é apenas uma ruína. Ela pode deixar de ser um bem arquitetônico, mas ainda tem valor arqueológico que deveria ser explorado", afirma o pesquisador.
Para o professor da USP Paulo DeBlasis, "a cidade se autodestrói". "Casas de cem anos estão sumindo, no centro da Freguesia do Ó, na Liberdade, no Pari", afirmou o arqueólogo do MAE (Museu de Arqueologia e Etnologia). Ele participou, com Zanettini, da escavação do sítio do Morumbi.
Segundo DeBlasis, esse sítio poderia ter virado um museu. Alvo de pesquisa em 2002, ele revelou artefatos anteriores à chegada dos portugueses à cidade. Ainda não se conseguiu, porém, determinar a data. "Vamos examinar o material retirado na escavação. Provavelmente era de grupos que viviam no planalto antes de indígenas conhecidos, como os guaranis e os tupis", diz DeBlasis.
Mesmo após as escavações e o registro do sítio no Iphan (órgão federal do patrimônio), o terreno do Morumbi foi vendido pela Gigio Construções, e a empreendedora Fact iniciou um condomínio de casas na área, o que destruiu o sítio. A obra está embargada.
A Fact afirma não ter sido informada pela prefeitura da necessidade de proteger o lugar (veja texto na pág. C4). A Gigio não respondeu à reportagem.
No ano passado, a arqueóloga Cláudia Plens foi contratada pela Fact para avaliar o dano. "Não existe mais nada, sobraram só 4 m2 do sítio, mas está tudo bem degradado, quase não dá para aproveitar." De acordo com ela, havia no sítio material lítico -pedra lascada, utilizada principalmente para a criação de ferramentas.
De acordo com o arqueólogo Rossano Lopes Bastos, do Iphan, o empreendedor terá de compensar a sociedade. "Uma das idéias é que ela [Fact] pague a realização de uma carta arqueológica para São Paulo, com a localização de todos os sítios, que seria disponibilizada na internet. Outra é a publicação de um livro sobre todos os bens protegidos pelo patrimônio histórico em São Paulo."
Apesar desses exemplos, Rossano afirma que a capital tem ações de proteção do patrimônio porque obedece às normas federais e estaduais, ao realizar estudos arqueológicos em grandes empreendimentos que necessitam de um estudo de impacto ambiental, como o Rodoanel.


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