São Paulo, domingo, 16 de maio de 2004

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DANUZA LEÃO

Mistério

Mas afinal, por que as pessoas querem tanto o poder? Será que é tão bom assim ser poderoso? A primeira coisa que eles perdem é essa coisa preciosa chamada privacidade. Se um famoso ou poderoso fica doente, a imprensa publica os resultados dos exames de sangue com os níveis de colesterol -o bom e o ruim-, do eletrocardiograma e ainda de todos os outros, aqueles bem indiscretos.
Francamente: alguém merece ver estampados nos jornais detalhes sobre sua saúde que só deveriam ser do conhecimento da mãe e dos médicos (cônjuges, nem pensar)?
Famosos e poderosos não têm o direito a ter mau humor ou cansaço, a bocejar no meio de um discurso, a comer muito ou deixar a comida no prato, a tropeçar, a entrar num motel, a ir embora dos lugares na hora em que tiver vontade, e melhor que tudo: sair sem se despedir e pegar o primeiro táxi que passar, sozinho.
E as vantagens? Deve ter alguma, claro, ou as pessoas não fariam tudo na vida para chegar lá. Mas quais são elas?
A primeira: ter um bando de gente em volta concordando com tudo o que eles dizem e fazendo tudo o que seu mestre mandar, aquele monte de assessores de terno preto prontos a satisfazer todos -ou quase todos- seus desejos. E dar um emprego a um, um cargo importante a outro, saber que pode mudar a vida das pessoas -quem foi sempre fiel pode até ser mandado para o exterior, quem não foi pode perder o emprego-, sentir no olhar delas o agradecimento eterno, se achar um pouco Deus, e isso não é legal?
Bom também é poder escolher o avião em que vai viajar pelo mundo, até dar palpites na decoração, e o melhor de tudo: sabendo que esse luxo não vai pesar no seu bolso nem custar nada. Bem, custar vai, mas dinheiro do governo é uma coisa meio vaga, não pertence a ninguém. Poderoso tem também uma coisa maravilhosa: sai de casa sem carteira, sem dinheiro, sem documentos e sem a chave de casa, que inveja.
Pior do que ter que agüentar dia e noite o cordão dos puxa-sacos é suportar os jornalistas, essa raça maldita que não sai do pé; eles querem saber se um pobre cachorrinho pegou uma carona na Kombi, que jóias a mulher está usando, qual a cor de esmalte, quantos minutos fica na esteira, e uma vez saiu publicada a foto da sola do sapato de um poderosíssimo, mostrando que estava precisando de uma boa meia-sola, vê se pode.
Jornalista quer saber sobretudo do que não pode, e é a raça mais indiscreta do mundo. Uma vez, há muito tempo, foram remexer até nas latas de lixo dos poderosos de Brasília para saber o que eles comiam, e foi aí que nasceu a palavra mordomia, lembra?
E eles são sempre do contra: se o poderoso é simpático, é demagogia, se é mau humorado, vai ser antipatizado pela classe, não pode ter um amigo da imprensa porque os outros todos vão virar inimigos, se for culto, é porque é culto, se for ignorante, é porque é ignorante. Não custa lembrar que "lá" as coisas são ainda piores, pobre Clinton. Para um poderoso não há paz: beber seu santo uísque para relaxar, nem pensar -pobre Lula.
E quando vejo Marisa Letícia -pobre dela- sempre vestida de terninho, rindo, que não perde uma cerimônia oficial sem jamais ter dito uma só palavra -alguém já ouviu o som da voz de Marisa?-, fico imaginando que ela seria muito mais feliz naquela hora se estivesse na cozinha fazendo um bolo.
Pensando bem, não há nada pior do que ser poderoso, pobres deles.


E-mail - danuza.leao@uol.com.br


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