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Escola pergunta se aluno é homossexual
Questionário em escolas municipais e estaduais de São Caetano para descobrir se crianças são vítimas de agressões choca os pais
Divididas por nível de ensino, perguntas vão desde "Com quem você toma banho?"
até "Você é heterossexual
ou homossexual?"
DANIELA TÓFOLI
AFRA BALAZINA
DA REPORTAGEM LOCAL
Perguntas como "Dorme
com algum adulto?", "Já viu alguém pelado?" ou "Beija na boca de alguém?", dirigidas a
crianças que estudam em escolas municipais ou estaduais de
São Caetano do Sul, na Grande
São Paulo, chocaram os pais da
cidade.
Diante de inúmeras queixas,
a prefeitura decidiu suspender
a aplicação dos questionários,
que tinham o objetivo de descobrir se as crianças são vítimas de agressões físicas ou sexuais, de bullying (brincadeiras
maldosas praticadas pelos colegas) ou são usuárias de drogas.
Preparado em quatro versões
(para a educação infantil, para
turmas de 1ª a 4ª séries, para as
de 5ª a 8ª e para o ensino médio) por uma rede de entidades,
entre elas o Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do
Adolescente da cidade e a Vara
da Infância, os questionários
têm perguntas que vão desde
"Com quem você toma banho?"
ou "Que brincadeiras faz com
seu irmão?", no caso das crianças menores, até "Você é heterossexual ou homossexual?",
para as maiores.
A dona-de-casa Débora Inácia Alfano, 37, tem uma filha de
4 anos na Emei Octávio Pegão e
não gostou das perguntas feitas. Seu marido respondeu ao
questionário com a menina e
entregou ontem à escola.
"Eu achei que havia muita
pergunta a respeito de sexo. Para crianças dessa idade, achei
muito complexo. Eles não entendem direito, é um assunto
delicado", afirmou.
Com as reclamações dos pais,
a Prefeitura de São Caetano decidiu suspender a pesquisa. De
acordo com o prefeito José Aurichio Júnior (PTB), a administração municipal nunca concordou com a aplicação do
questionário. "Fomos contrários desde o primeiro momento
que surgiu a idéia", disse.
Para ele, o questionário é
"confuso e mal elaborado" e pecou em seu caráter técnico e jurídico. "Só voltaremos a aplicar
o questionário se houver uma
ordem judicial", disse.
Em nota oficial divulgada ontem, a Diretoria de Educação
da cidade afirmou ter sido contrária ao formato e conteúdo da
pesquisa, mas permitiu sua realização em respeito às entidades que o elaboraram desde
que os pais autorizassem a participação dos filhos.
Entretanto, o autônomo Sérgio Donizeti, que tem uma filha
de 16 anos, disse que não foi
consultado pela escola em que
ela estuda, a Alcina Dantas Feijão, sobre o questionário.
"Como responsável por ela,
gostaria de ter sido avisado com
antecedência", afirma.
A Secretaria do Estado da
Educação, por meio de nota, informou que "não foram as escolas de São Caetano que decidiram buscar informações sobre
a vida sexual dos alunos, mas o
Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, cujo teor das perguntas foi
aprovado pela Vara de Infância
e Juventude do município".
A pasta diz ainda, no texto,
que "as escolas de São Caetano
não são responsáveis pelos
questionários".
Elaboração conjunta
Os questionários foram distribuídos pelo Conselho Municipal dos Direitos da Criança e
do Adolescente da cidade, mas
sua elaboração foi conjunta.
"O Conselho Tutelar, a Vara
da Infância, ONGs, diretores de
escolas, policiais, agentes de
saúde e pais construíram o
questionário junto conosco",
explica a presidente do conselho municipal, Rita Margarida
Toller Russo. "Nosso objetivo
era levantar dados ligados a
questões como agressão, bullying e drogas para trabalhar
melhor esses problemas."
Para especialistas, a iniciativa é excelente. O problema está
na abordagem.
A pedagoga Maria Ângela
Barbato Carneiro, professora
da PUC-SP, diz que é preciso
que a escola se preocupe com
esses assuntos, já que os casos
de agressão são cada vez mais
comuns, mas as crianças devem ser preparadas antes do
questionário e os pais, avisados.
"Quando se lida com a questão sexual, se lida também com
tabu e preconceito", afirma Ângela. "É preciso fazer uma abordagem cuidadosa."
O psicoterapeuta José Thomé, da Associação Brasileira de
Psiquiatria, afirma que não é
possível fazer uma pesquisa
deste tipo pedindo que alguém
responda por protocolo.
"É uma questão muito íntima, que precisa ser abordada
por pessoas treinadas. Não é
função do professor fazer esse
trabalho", diz. "Além disso, o limite entre o patrulhamento
ideológico-afetivo e uma pesquisa é muito estreito. O cuidado tem de ser redobrado."
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