São Paulo, sábado, 16 de junho de 2007

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Escola pergunta se aluno é homossexual

Questionário em escolas municipais e estaduais de São Caetano para descobrir se crianças são vítimas de agressões choca os pais

Divididas por nível de ensino, perguntas vão desde "Com quem você toma banho?" até "Você é heterossexual ou homossexual?"

DANIELA TÓFOLI
AFRA BALAZINA
DA REPORTAGEM LOCAL

Perguntas como "Dorme com algum adulto?", "Já viu alguém pelado?" ou "Beija na boca de alguém?", dirigidas a crianças que estudam em escolas municipais ou estaduais de São Caetano do Sul, na Grande São Paulo, chocaram os pais da cidade.
Diante de inúmeras queixas, a prefeitura decidiu suspender a aplicação dos questionários, que tinham o objetivo de descobrir se as crianças são vítimas de agressões físicas ou sexuais, de bullying (brincadeiras maldosas praticadas pelos colegas) ou são usuárias de drogas.
Preparado em quatro versões (para a educação infantil, para turmas de 1ª a 4ª séries, para as de 5ª a 8ª e para o ensino médio) por uma rede de entidades, entre elas o Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente da cidade e a Vara da Infância, os questionários têm perguntas que vão desde "Com quem você toma banho?" ou "Que brincadeiras faz com seu irmão?", no caso das crianças menores, até "Você é heterossexual ou homossexual?", para as maiores.
A dona-de-casa Débora Inácia Alfano, 37, tem uma filha de 4 anos na Emei Octávio Pegão e não gostou das perguntas feitas. Seu marido respondeu ao questionário com a menina e entregou ontem à escola.
"Eu achei que havia muita pergunta a respeito de sexo. Para crianças dessa idade, achei muito complexo. Eles não entendem direito, é um assunto delicado", afirmou.
Com as reclamações dos pais, a Prefeitura de São Caetano decidiu suspender a pesquisa. De acordo com o prefeito José Aurichio Júnior (PTB), a administração municipal nunca concordou com a aplicação do questionário. "Fomos contrários desde o primeiro momento que surgiu a idéia", disse.
Para ele, o questionário é "confuso e mal elaborado" e pecou em seu caráter técnico e jurídico. "Só voltaremos a aplicar o questionário se houver uma ordem judicial", disse.
Em nota oficial divulgada ontem, a Diretoria de Educação da cidade afirmou ter sido contrária ao formato e conteúdo da pesquisa, mas permitiu sua realização em respeito às entidades que o elaboraram desde que os pais autorizassem a participação dos filhos.
Entretanto, o autônomo Sérgio Donizeti, que tem uma filha de 16 anos, disse que não foi consultado pela escola em que ela estuda, a Alcina Dantas Feijão, sobre o questionário.
"Como responsável por ela, gostaria de ter sido avisado com antecedência", afirma.
A Secretaria do Estado da Educação, por meio de nota, informou que "não foram as escolas de São Caetano que decidiram buscar informações sobre a vida sexual dos alunos, mas o Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, cujo teor das perguntas foi aprovado pela Vara de Infância e Juventude do município".
A pasta diz ainda, no texto, que "as escolas de São Caetano não são responsáveis pelos questionários".

Elaboração conjunta
Os questionários foram distribuídos pelo Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente da cidade, mas sua elaboração foi conjunta.
"O Conselho Tutelar, a Vara da Infância, ONGs, diretores de escolas, policiais, agentes de saúde e pais construíram o questionário junto conosco", explica a presidente do conselho municipal, Rita Margarida Toller Russo. "Nosso objetivo era levantar dados ligados a questões como agressão, bullying e drogas para trabalhar melhor esses problemas."
Para especialistas, a iniciativa é excelente. O problema está na abordagem.
A pedagoga Maria Ângela Barbato Carneiro, professora da PUC-SP, diz que é preciso que a escola se preocupe com esses assuntos, já que os casos de agressão são cada vez mais comuns, mas as crianças devem ser preparadas antes do questionário e os pais, avisados.
"Quando se lida com a questão sexual, se lida também com tabu e preconceito", afirma Ângela. "É preciso fazer uma abordagem cuidadosa."
O psicoterapeuta José Thomé, da Associação Brasileira de Psiquiatria, afirma que não é possível fazer uma pesquisa deste tipo pedindo que alguém responda por protocolo.
"É uma questão muito íntima, que precisa ser abordada por pessoas treinadas. Não é função do professor fazer esse trabalho", diz. "Além disso, o limite entre o patrulhamento ideológico-afetivo e uma pesquisa é muito estreito. O cuidado tem de ser redobrado."


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