São Paulo, segunda-feira, 16 de junho de 2008

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Palácio da Justiça vira capela para missa de juízes

Presidida pelo arcebispo de SP, celebração da 56ª Páscoa da Família Forense reuniu cerca de 250 pessoas

ROBERTO DE OLIVEIRA
DA REVISTA DA FOLHA

Revestido em mármore chiampo, com piso das escadarias em carrara e balaústres em bronze, o hall de acesso às dependências do Palácio da Justiça transformou-se numa majestosa capela, ontem de manhã, no centro de São Paulo. O "Salão dos Passos Perdidos", assim denominado porque era onde o público lá permanecia à espera de julgamentos, recebeu tapete vermelho, cadeiras douradas, flores, velas, altar e crucifixo para celebrar uma missa, a 56ª Páscoa da Família Forense, com cerca de 250 pessoas, entre desembargadores, juízes, autoridades e familiares.
A cerimônia foi presidida pelo cardeal arcebispo de São Paulo, dom Odilo Scherer, e durou cerca de uma hora e meia.
"Nossa manifestação de fé pode ajudar a gente a desempenhar nosso papel melhor", disse ele na missa. "A fé e o respeito ao Estado, que é laico, mas aceita e protege as opções religiosas dos cidadãos."
Pai de 11 filhos, católico "desde que nasceu", o desembargador José Geraldo Barreto Fonseca, 66, acha que o Estado não pode ser laico. "Se tirar Deus como fonte, você cai no autoritarismo", disse. "Toda vez que o homem se fez como referência, grandes tragédias ocorreram."
Fonseca condena, como as religiões cristãs, temas como o aborto, o casamento gay, a pena de morte e as pesquisas com células-tronco. Devoto de Nossa Senhora e de São José, ele diz que o Judiciário, como a sociedade, é pluralista. Questionado se aceitaria o uso de cartas psicografadas nos tribunais, como defendem membros da recém-criada Associação Jurídico-Espírita de SP, o desembargador disse que não descarta nenhum tipo de prova. "Como não sou espírita, não acredito na reencarnação. A carta, a priori, poderia ser um fenômeno parapsicológico", afirmou.

Público x privado
À frente da comissão organizadora da missa, o desembargador Munhoz Soares, 67, explicou que a celebração segue uma tradição de ocorrer no segundo ou no terceiro domingo de junho, mês que antecede as férias do Judiciário. Filiado à União dos Juristas Católicos, ele disse que a maioria do Judiciário é católica. "Os juízes decidem de acordo com a lei e com a sua consciência. A fé é o veículo."
Nem todos os juízes enxergam com bons olhos a presença da religião no Judiciário. "O juiz não pode ter limitações. A Constituição garante liberdade de crença, mas é necessário separar o público da esfera privada", diz a juíza Kenarik Boujikian Felippe, presidente da Federação Latino-americana de Juízes para a Democracia.
O ex-governador Cláudio Lembo, fiel participante da missa, disse que o Brasil é um país multicultural e multirreligioso. "O Estado laico pode receber qualquer religião. Deus nos livre de fundamentalistas."
Representando o governador José Serra (PSDB), o secretário estadual da Justiça, Luiz Antonio Marrey, lembrou que o fundamental é garantir que o Estado não assuma religião nem que decisões sejam baseadas na fé. "Não podemos esquecer que até hoje o Supremo Tribunal Federal mantém o crucifixo nos tribunais."
No fim, foi servido um café da manhã. Havia salgadinhos, sucos, doces e pães, além de chá, café e leite. A entrada era controlada por policiais militares e por um esquema de segurança da organização e do cerimonial do Tribunal de Justiça. O evento foi pago pelos juízes, disse a organização. Os convidados contaram que ofícios foram enviados aos juízes por meio da estrutura do Judiciário, solicitando, inclusive, a indicação de funcionários para a missa.


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