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São Paulo, quarta-feira, 16 de julho de 2003

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URBANIDADE

Ilustração Vincenzo Scarpellini
RUA MARCONI Entre as expressões da vida urbana, o trabalho dos engraxates ecoa a nobreza do gesto cristão de lavar o pé. Com habilíssimo conhecimento das fraquezas humanas, eles sabem lustrar a vaidade: colocam o cliente sobre um pedestal elevado e, num estado de transe entre o abandono e a contemplação reflexiva, fazem-no vislumbrar a possibilidade de uma pose monumental. (VINCENZO SCARPELLINI)


Menino do rio

GILBERTO DIMENSTEIN
COLUNISTA DA FOLHA

O engenheiro Procópio Gomes tinha o hábito de levar seu filho Carlos, de oito anos, para acompanhar as obras de tratamento do rio Pinheiros que realizava. Nas caminhadas pelas margens do rio, há 40 anos, ele ensinava noções básicas de ecologia à criança, ao explicar, entre outras coisas, por que aqueles peixes boiando, inertes, tinham morrido. "A imagem dos peixes mortos me impressionavam", lembra Carlos, agora com 48 anos.
Carlos seguiu os passos do pai: entrou na Politécnica, a Poli, da Universidade de São Paulo. E acabou voltando para o Pinheiros, muito mais sujo do que em seus tempos de infância. Ele inventou uma técnica de despoluição batizada de flotação -a injeção de ar e produtos químicos na água faz a sujeira flutuar, transformada em flocos, depois retirados.
Com a sua invenção, conquistou obras de despoluição do lago do Ibirapuera, em São Paulo, da lagoa de Pampulha, em Belo Horizontes, e do piscinão de Ramos, no Rio. Em todas essas experiências, as águas foram descontaminadas.
Mas, quando ganhou a concorrência para limpar o rio Pinheiros e transformá-lo em área de lazer, Carlos foi bombardeado por técnicos, ecologistas e professores, desconfiados de sua tecnologia, além de entrar na mira de grupos multinacionais da Europa e dos Estados Unidos que perderam a concorrência.
Dentro do próprio governo estadual e da Petrobras, patrocinadora da iniciativa, encara-se com um misto de desconfiança e torcida a chance de um sistema de flotação provar sua eficácia. Nunca, afinal, tal tecnologia processou tanta água. "A única forma de sabermos se funciona ou não é testando", afirma o secretaria estadual do Meio Ambiente, José Goldemberg.
Estava tudo pronto para as máquina serem acionadas neste mês. Mas o Ministério Público conseguiu convencer a Justiça a impedir a realização do teste, argumentando, baseado em opiniões de técnicos, que não funcionaria. "É um crer para não ver", ironiza Goldemberg.
Enquanto luta na Justiça pelo simples direito ao teste, Carlos já pode comemorar uma vitória que o faz voltar aos tempos em que andava ao lado do pai, incomodado com a mortandade dos peixes. Há alguns meses, ele está criando peixes em tanques com as águas descontaminadas do Pinheiros. Não apenas sobreviveram, como, segundo laudos técnicos, servem para consumo humano. Parece até imaginação de criança ou mentira de pescador, mas não é.

E-mail - gdimen@uol.com.br


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