São Paulo, domingo, 16 de julho de 2006

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Para Lembo, SP repete Canudos

Governador paulista diz que PCC arregimenta massa empobrecida para agredir Estado nacional de Direito

Segundo pefelista, onda de violência arrefeceu, mas outros surtos podem ocorrer; facção criminosa "usa tática de guerrilha"

Nerivelton Araújo/AAN
Familiares de detentos em frente a complexo penitenciário em Hortolândia (interior de São Paulo), onde não houve visitas ontem


CLÁUDIA COLLUCCI
DA REPORTAGEM LOCAL

O governador de São Paulo, Cláudio Lembo (PFL), afirmou ontem que a segunda onda de violência desencadeada pelo PCC "arrefeceu", mas não descartou a ocorrência de novos ataques no futuro próximo. Na visão de Lembo, São Paulo está repetindo "uma guerra de Canudos". "Eles [o PCC] atacam e recuam, utilizando de ondas humanas extremamente frágeis economicamente." Ele acredita que outros Estados deverão sofrer episódios semelhantes. "Tenho muito temor que isso se torne um hábito dos sem-lei. A batalha deles hoje é utilizar dos desprovidos economicamente para agredir o Estado nacional de Direito." Desde terça, na segunda onda de ataques, o PCC matou pelo menos oito pessoas e promoveu pelo menos 421 atentados, entre incêndios de ônibus, ataques a bases e casas de policiais e até mesmo caminhões de lixo. A primeira onda ocorreu em maio, sendo que 46 mortes foram atribuídas ao PCC. A seguir, trechos da entrevista que Lembo concedeu ontem à Folha, no seu gabinete, no Palácio dos Bandeirantes.  

FOLHA - A onda de violência arrefeceu?
CLÁUDIO LEMBO
- Arrefeceu, mas, tenho dito, nós podemos, sim, sofrer novos surtos.

FOLHA - O que o leva crer nisso?
LEMBO
- A tática da guerrilha, a forma como estão agindo. Atacam e recuam, utilizando de ondas humanas extremamente frágeis economicamente.

FOLHA - Outros Estados podem também ser atingidos?
LEMBO
- Infelizmente. Ainda hoje [ontem] vi uma pequena notícia nos jornais de que Belo Horizonte [MG] sofreu três atentados. Creio e tenho muito temor de que isso se torne um hábito dos sem-lei, que passem a agredir todos os segmentos da sociedade. A batalha deles hoje é utilizar dos desprovidos economicamente para agredir o Estado nacional de Direito.

FOLHA - Percebe-se que houve uma mudança de tática do PCC, que passou a priorizar ataques a ônibus, bancos e até caminhão de lixo.
LEMBO
- É um ataque contra o Estado de Direito. Não é algo novo na América Latina. Tenho conversado com especialistas internacionais. Tivemos algo muito parecido, que ainda permanece, na Colômbia, no Peru. Há uma série de elementos. Um é a miséria endêmica. Há uma formação social muito deformada na América Latina. Isso tudo é um caldo cultural dramático. Toda a América Latina se encontra num risco muito grande. Os governos precisam pensar em integração social. A elite ou é muito americanófila, ou está, como sempre, com as costas voltadas para o Brasil e olhando a Europa. Nunca nos debruçamos sobre o Brasil. O que está acontecendo é uma repetição da Guerra de Canudos em plena cidade de São Paulo.

FOLHA - E até onde vai isso?
LEMBO
- Até onde for a consciência daqueles que podem pensar melhor. Não sei onde vai. O episódio social se repete sempre em molduras diferentes. E agora, lamentavelmente, na moldura urbana onde a agressão é maior, as situações são mais complexas.

FOLHA - Na sua opinião, qual a participação do Judiciário nessa crise?
LEMBO
- O Judiciário está numa situação muito difícil. É um Judiciário criado por um Brasil onde os conflitos eram só de natureza patrimonial e, portanto, só essa relação conflituosa entre a classe média e as camadas economicamente mais fortes. E hoje a conflitualidade é entre o Estado e o crime. As leis processuais brasileiras nunca darão a possibilidade de o Judiciário ser capaz de resolver situações correntes. O Judiciário hoje é refém de suas próprias leis. Não terá condições de superar com altruísmo a legislação brasileira atual, que foi elaborada por quem olha o exterior e não o interior. Você tem cola das leis austríaca, alemã, italiana. Isso vai gerar um colapso. Não é culpa das pessoas, e sim da própria estrutura do poder. Ou das leis concedidas ao poder para fazer justiça.

FOLHA - O que poderia ser feito a curto prazo?
LEMBO
- Creio que poderia ser possível, eventualmente, pequenos mutirões a partir das áreas mais complexas da execução penal. Talvez pudesse dar uma solução paliativa.

FOLHA - Houve algum acordo para esse arrefecimento da violência?
LEMBO
- Não houve acordo naquela ocasião, em maio, e nem agora. Nem contato houve. Nem os advogados deles [do PCC] nos procuraram. Muitos deles estão tão marcados pela criminalidade que nem nos procuraram. Se tivesse procurado, eu teria autorizado o comando da PM a levá-los.


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