São Paulo, domingo, 16 de julho de 2006

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DANUZA LEÃO

Um homem


Bravo, Zidane. Bravo por ter tido a coragem de arriscar seu passado de jogador. Mas sua honra, essa, está imaculada

ESTOU com Zidane e não abro. O fabuloso craque brilhou na Copa, mas, nos últimos minutos do segundo tempo da prorrogação do jogo decisivo, aconteceu o que aconteceu. Teve boas razões para fazer o que fez.
Zidane contou o que houve; aliás, contou mas não contou. O que ouviu deve ter sido tão grave que o pudor o impediu de repetir. Materazzi provocou, e disse o que um homem não pode ouvir sem revidar. Revidando, como o fez, Zidane correu o risco de ser expulso, como aconteceu, e assim não participar dos pênaltis; deu certo o plano do italiano, pois é claro que Zidane teria feito o gol que poderia ter dado a vitória à França. Mas o povo entende rápido, e depois da expulsão, a cada vez que a Itália tocava na bola, o estádio vaiava. E apesar de a imprensa francesa ter massacrado o ídolo, na volta a Paris a Place de la Concorde estava lotada para aplaudir Zidane.
O ídolo francês é tímido, discreto e modesto; casado, tem quatro filhos e uma vida pessoal irretocável. Quem prestar atenção no olhar dele verá que é um homem de fibra, seguro e que sabe o que faz. Sabe tanto que, em vez de dar um soco na cara de seu agressor, como poderia ter feito, deu uma cabeçada no seu peito (e não na cabeça, o que poderia ter terminado em sangue).
Materazzi é que devia ter sido expulso, pois existem palavras que agridem mais do que uma agressão física.
O ídolo continua sendo ídolo para todo o povo da França, e a seleção francesa foi recebida em Paris como se fosse campeã do mundo.
Ah, ele perdeu a cabeça? E quem não perde a cabeça, um dia? Seria muito bom se todos fossem frios e contidos, mas aí o mundo seria diferente e talvez bem sem graça. O jogador Zidane poderia ter segurado sua indignação por mais alguns minutos, fazer o belo e último gol da sua carreira e sair do estádio coberto de glórias. Mas como se sentiria o homem Zidane, engolindo um insulto que deve ter sido pesado, por uma mera partida de futebol, mesmo sendo numa decisão de Copa do Mundo? Ele sabia o que estava arriscando, sabia das milhares de pessoas no estádio -e das dezenas de milhões, pela televisão- vendo o que aconteceu. Mas sua honra, insultada gravemente, falou mais forte, o que faz com que ele seja mais respeitado ainda do que se tivesse feito seu gol e dado a vitória à França.
É preciso sempre ir mais fundo nas coisas; pensar nas razões pelas quais elas acontecem, o que faz um homem sereno perder a cabeça, mesmo sabendo das conseqüências do seu ato. Zidane sabia o que estava arriscando, mas saiu de bem com ele mesmo, e não se arrepende do que fez. Grande Zidane.
Foi por isso -também- que ele foi eleito o melhor jogador da Copa, e continua sendo um ídolo, agora talvez maior do que antes. E tenho minhas dúvidas se ele algum dia vai dizer a alguém o que ouviu de Materazzi. Quando a ofensa é grande demais, a gente não consegue contar.
Bravo, Zidane. Bravo por ter tido a coragem de arriscar seu passado de jogador que, segundo dizem alguns, ficou manchado. Mas sua honra, essa, está imaculada, e para as milhões de pessoas que o aplaudiram na sua volta, isso é mais importante do que ganhar a Copa do Mundo. O futebol precisa de mais Zidanes e menos moleques que só pensam em usar Armani e ir às boates.
Seus quatro filhos devem estar muito orgulhosos de terem o pai que têm -que, aliás, é um homem lindo.


danuza.leao@uol.com.br


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