São Paulo, domingo, 16 de julho de 2006

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ARTIGO

Uma tragédia anunciada

A sociedade precisa parar de clamar, exclusivamente, pelo encarceramento

ANTONIO CLAUDIO MARIZ DE OLIVEIRA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Estamos, atualmente, assistindo, estarrecidos e amedrontados, à historia de uma tragédia anunciada. O aumento da criminalidade em nosso Estado, fenômeno que atinge todo o país, não se deu da noite para o dia. Está vindo, há anos, no bojo de um processo que acumula erros e omissões de responsabilidade dos poderes constituídos e de certa forma da própria sociedade, embora seja ela a maior vítima e obviamente não mereça os padecimentos aos quais está sendo submetida.
Na realidade, não há de se falar em crise da segurança pública, pois crise tem o significado de mudança brusca, repentina, alteração inesperada de um estado ou situação. No caso das manifestações de violência, em suas várias formas, podemos afirmar a existência de um fenômeno em constante crescimento que atinge picos de recrudescimento, sendo sempre um maior do que o anterior.
E, aí, a questão assume uma dimensão descomunal, com proporções alarmantes. Realmente, se a evolução do crime não foi estancada, no curso dos anos, não há de se esperar que o problema seja solucionado com medidas pontuais, milagrosas, sejam elas de que natureza forem, de uma hora para outra.
Por outro lado, a questão não se cinge à segurança, pois envolve múltiplos aspectos e constitui uma decorrência de causas e de fatores que conduzem ao crime. E, quanto a este aspecto, lembre-se de que tradicionalmente todo o discurso sobre criminalidade é enfocado para os seus efeitos, em detrimento de suas causas. Entende-se o crime como uma realidade posta e não como um fenômeno a ser evitado.
Ademais, está arraigada a idéia de que a única resposta para o crime é a prisão. Com o encarceramento, o Estado entende haver cumprido o seu dever e a sociedade se satisfaz. A cultura reinante, pois, é a de que o dever é castigar o criminoso e não evitar o crime.
Essa visão é também das autoridades que prendem excessivamente, prendem mal. Prendem criminosos de bagatela e, aí, o deletério sistema penitenciário os transforma em criminosos de alta periculosidade e, muitas vezes, soltam, ou não prendem, quem deveria estar preso.
A cômoda, mas cruel, cruel para a própria sociedade, "solução" da prisão deve ser desmistificada. Note-se que há 16 anos São Paulo possuía 15 unidades (prisões) no seu sistema penitenciário. Hoje são aproximadamente 130. Vê-se que o vertiginoso aumento das prisões não diminuiu os índices de criminalidade, ao contrário, atingem hoje níveis insuportáveis.
Portanto, menos prisões, mais penas alternativas.
O Estado está investindo exclusivamente na prisão, mas pouco faz em relação ao cumprimento das penas e menos ainda em relação ao egresso.
Portanto, investe na prisão, mas não investe na liberdade.
O aparelho policial -é preciso que se reconheça não ser ele o responsável exclusivo pela situação reinante, pois só trabalha com os efeitos do crime- por sua vez, não tem atuado da forma desejada. Especialmente quanto à criminalidade organizada houve uma inexplicável e inaceitável omissão, que se arrasta por anos, no que tange, principalmente, às investigações. Como exemplo, basta lembrar que até hoje não se descobriu a origem do moderno armamento das quadrilhas.
A sociedade, por sua vez, precisa parar de clamar, exclusivamente, pelo encarceramento. Assim como a imprensa não pode continuar a transformar diligências policiais em espetáculos midiáticos. É preciso que se entenda que o mais eficaz meio de combate à criminalidade são as ações sociais de resgate da dignidade de homens, mulheres e especialmente dos menores, por meio da satisfação de suas necessidades e carências. Essa obrigação é do Estado e da coletividade.
Não se olvide do crime das elites, que além de mostrar que o tecido ético está esgarçado, serve de mau exemplo às camadas menos favorecidas, em face do chamado contágio hierárquico da criminalidade.
Cumpre, ainda, ao Estado e à sociedade, como medida de autopreservação, desenvolver a-ções concretas, durante e após o cumprimento da pena, para ajudar o condenado a se reintegrar à sociedade, caso, é óbvio, seja a sua intenção. Evita-se, assim, que ele volte a agredi-la.
Embora não seja confortador, é preciso que se reconheça que não há solução pronta e imediata para o problema. Por ora, os aparelhos policiais devem atuar investigando e reprimindo, e o Estado e a sociedade devem começar a operar uma mudança de cultura, por meio de reflexões sérias, manifestações não demagógicas e ações concretas, para se evitar o crime de amanhã.


ANTONIO CLAUDIO MARIZ DE OLIVEIRA , advogado criminal, ex-secretário da Justiça e da Segurança Pública do Estado de São Paulo, preside o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária

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