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ARTIGO
Uma tragédia anunciada
A sociedade precisa parar de clamar, exclusivamente, pelo encarceramento
ANTONIO CLAUDIO MARIZ DE OLIVEIRA
ESPECIAL PARA A FOLHA
Estamos, atualmente, assistindo, estarrecidos e
amedrontados, à historia de uma tragédia anunciada.
O aumento da criminalidade
em nosso Estado, fenômeno
que atinge todo o país, não se
deu da noite para o dia. Está
vindo, há anos, no bojo de um
processo que acumula erros e
omissões de responsabilidade
dos poderes constituídos e de
certa forma da própria sociedade, embora seja ela a maior vítima e obviamente não mereça
os padecimentos aos quais está
sendo submetida.
Na realidade, não há de se falar em crise da segurança pública, pois crise tem o significado
de mudança brusca, repentina,
alteração inesperada de um estado ou situação. No caso das
manifestações de violência, em
suas várias formas, podemos
afirmar a existência de um fenômeno em constante crescimento que atinge picos de recrudescimento, sendo sempre
um maior do que o anterior.
E, aí, a questão assume uma
dimensão descomunal, com
proporções alarmantes. Realmente, se a evolução do crime
não foi estancada, no curso dos
anos, não há de se esperar que o
problema seja solucionado com
medidas pontuais, milagrosas,
sejam elas de que natureza forem, de uma hora para outra.
Por outro lado, a questão não
se cinge à segurança, pois envolve múltiplos aspectos e
constitui uma decorrência de
causas e de fatores que conduzem ao crime. E, quanto a este
aspecto, lembre-se de que tradicionalmente todo o discurso
sobre criminalidade é enfocado
para os seus efeitos, em detrimento de suas causas. Entende-se o crime como uma realidade posta e não como um fenômeno a ser evitado.
Ademais, está arraigada a
idéia de que a única resposta
para o crime é a prisão. Com o
encarceramento, o Estado entende haver cumprido o seu dever e a sociedade se satisfaz. A
cultura reinante, pois, é a de
que o dever é castigar o criminoso e não evitar o crime.
Essa visão é também das autoridades que prendem excessivamente, prendem mal.
Prendem criminosos de bagatela e, aí, o deletério sistema penitenciário os transforma em
criminosos de alta periculosidade e, muitas vezes, soltam, ou
não prendem, quem deveria estar preso.
A cômoda, mas cruel, cruel
para a própria sociedade, "solução" da prisão deve ser desmistificada. Note-se que há 16 anos
São Paulo possuía 15 unidades
(prisões) no seu sistema penitenciário. Hoje são aproximadamente 130. Vê-se que o vertiginoso aumento das prisões
não diminuiu os índices de criminalidade, ao contrário, atingem hoje níveis insuportáveis.
Portanto, menos prisões,
mais penas alternativas.
O Estado está investindo exclusivamente na prisão, mas
pouco faz em relação ao cumprimento das penas e menos
ainda em relação ao egresso.
Portanto, investe na prisão,
mas não investe na liberdade.
O aparelho policial -é preciso que se reconheça não ser ele
o responsável exclusivo pela situação reinante, pois só trabalha com os efeitos do crime-
por sua vez, não tem atuado da
forma desejada. Especialmente
quanto à criminalidade organizada houve uma inexplicável e
inaceitável omissão, que se arrasta por anos, no que tange,
principalmente, às investigações. Como exemplo, basta
lembrar que até hoje não se
descobriu a origem do moderno armamento das quadrilhas.
A sociedade, por sua vez, precisa parar de clamar, exclusivamente, pelo encarceramento.
Assim como a imprensa não
pode continuar a transformar
diligências policiais em espetáculos midiáticos. É preciso que
se entenda que o mais eficaz
meio de combate à criminalidade são as ações sociais de resgate da dignidade de homens,
mulheres e especialmente dos
menores, por meio da satisfação de suas necessidades e carências. Essa obrigação é do Estado e da coletividade.
Não se olvide do crime das
elites, que além de mostrar que
o tecido ético está esgarçado,
serve de mau exemplo às camadas menos favorecidas, em face
do chamado contágio hierárquico da criminalidade.
Cumpre, ainda, ao Estado e à
sociedade, como medida de autopreservação, desenvolver a-ções concretas, durante e após
o cumprimento da pena, para
ajudar o condenado a se reintegrar à sociedade, caso, é óbvio,
seja a sua intenção. Evita-se,
assim, que ele volte a agredi-la.
Embora não seja confortador, é preciso que se reconheça
que não há solução pronta e
imediata para o problema. Por
ora, os aparelhos policiais devem atuar investigando e reprimindo, e o Estado e a sociedade
devem começar a operar uma
mudança de cultura, por meio
de reflexões sérias, manifestações não demagógicas e ações
concretas, para se evitar o crime de amanhã.
ANTONIO CLAUDIO MARIZ DE OLIVEIRA , advogado criminal, ex-secretário da Justiça e da Segurança Pública do Estado de São Paulo, preside o Conselho Nacional de Política Criminal e
Penitenciária
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