São Paulo, segunda-feira, 16 de julho de 2007

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Polícia do Rio mata 41 civis para cada policial morto

Proporção registrada na gestão Cabral é quatro vezes maior que a média internacional

Para especialistas, mortes demonstram uso excessivo de força e revelam fortes indícios de assassinatos pelas forças oficiais

RAPHAEL GOMIDE
DA SUCURSAL DO RIO

Morre um policial do Rio para cada grupo de 41 pessoas mortas pelas forças de segurança do Estado. A proporção é o quádruplo da média internacional, segundo estudo do professor da Universidade de Nova York, Paul Chevigny, adotado internacionalmente.
Foram dez PMs e um civil mortos em confronto em 2007 até abril, contra 449 supostos criminosos que agentes mataram até o fim de abril, em ações registradas como "autos de resistência". O número de policiais representa 2,4% do total de baixas "adversas".
A Secretaria de Segurança Pública do Rio diz reconhecer que o número de mortos em confrontos com policiais é alto e que o saldo decorre de uma postura "mais ativa" adotada pelo governo.
Para especialistas consultados pela Folha, a proporção de um policial morto para 41 autos de resistência, no governo Sérgio Cabral, é demonstração de uso excessivo de força e revela fortes indícios de assassinatos pelas forças oficiais.
"Quando passa da taxa de dez civis mortos para um policial e, principalmente, acima de 20 para um, não há dúvidas de que há excesso de força e execuções", diz José Vicente da Silva Filho, coronel da reserva da PM, ex-secretário nacional de Segurança Pública e diretor do Instituto Pró-Polícia.
Silva Filho observou que em São Paulo a relação era de 11 mortos por policial, em 2005, e de 14 para um, em 2006, ano dos ataques da facção criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital). Mesmo em 2006, a proporção manteve-se inferior à metade daquela do Rio.
Em 2006, o aparato policial do Rio respondeu por 1.063 mortes, 14% do total de vítimas de violência letal intencional (homicídios dolosos, latrocínios e autos de resistência). "É um escândalo. As mortes oficiais de policiais em ação correspondem a 14%. E policiais matam mais em folga que em serviço", disse Silvia Ramos, do Cesec (Centro de Estudos de Segurança e Cidadania, da Universidade Candido Mendes).
Segundo o Cesec, os índices internacionalmente "tolerados" são de 1% a 3%, no máximo; ou seja, no máximo de um quarto daqueles do Rio.
Para Silvia Ramos, "o caso [de uso de força excessiva pela polícia] do Rio é não apenas o mais grave do Brasil, como o mais grave do mundo. Só a polícia do Rio mata mais que a polícia dos EUA inteira, que matou 375 em 2006, em uma população de 300 milhões de pessoas. A polícia de Portugal, país com população semelhante à do Rio, matou só uma pessoa em 2006, contra 1.063 do Rio."
A média de pessoas mortas pela polícia no governo Sérgio Cabral até abril é de 3,7 por dia (449 em 120 dias).
Os autos de resistência em 2007 são, portanto, 36,4% superiores ao do ano passado, até abril, quando 329 civis haviam sido mortos em confronto.
Projeção feita pelo sociólogo Ignácio Cano, a pedido da Folha, prevê que as polícias fluminenses devem matar 1.448 pessoas em 2007, tendo como base a proporção dos primeiros quatro meses nos últimos nove anos (31% do total).
O número seria 21% superior ao mais alto até hoje: 1.195, em 2003, e 36% maior que os autos de resistência do ano passado.
Um problema maior para Silva Filho é que "a autoridade não toma medidas" contra isso.
Essa atitude oficial tem conseqüências, diz: criminosos deixam de se render temendo ser mortos -o que acirra os tiroteios e até assassinatos de policiais na rua, como vingança.
"Polícia não é para matar", diz Silvia Ramos.


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