São Paulo, domingo, 16 de agosto de 2009

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GILBERTO DIMENSTEIN

Cidades inteligentes


Com o uso da tecnologia, elas integram cultura, educação, saúde, lazer, esportes e trabalho

HÁ DOIS MESES , um grupo de 20 adolescentes participa de uma caça ao tesouro digital para montar um mapa para quem tem pouco dinheiro.
Os investigadores são alunos de escolas públicas e moram nas regiões mais distantes da cidade de São Paulo, marcadas pela pobreza e violência, com escassas ofertas de lazer, educação e cultura.
Na semana passada, eles mostraram os primeiros resultados dessa caça ao tesouro, expostos em sites, blogs ou twitters. Localizaram, em seus bairros, bandas de música, grupos de dança, saraus de poesia, cinemas em becos, estúdios multimídias, bibliotecas comunitárias, cursos profissionalizantes.
O exercício serve para preparar agentes comunitários de comunicação. Todos aqueles jovens serão chamados a trabalhar, por alguns meses, em telecentros, transformando-os em mais do que um punhado de máquinas ligadas à internet, mas num espaço para conectar o bairro, do posto de saúde, até a escola, passando por subprefeitura, bibliotecas comunitárias e parques.
Sem saber, eles estão conectados com o que a Escola de Administração de Harvard aponta, num documento lançado há um mês, como o futuro de gestão pública -é um manifesto pelas cidades inteligentes.

 

Cidade inteligente é aquela que integra ao máximo seus serviços (cultura, educação, saúde, lazer, esportes e trabalho), tirando proveito das tecnologias de comunicação, segundo o texto de Rosabeth Kanter, professora de Harvard e apontada pelo jornal "Times", de Londres, como uma das 50 mulheres mais influentes no mundo dos negócios . Conhecemos, no Brasil, vários avanços provocados pela internet.
Hospitais usam a telemedicina, fazendo que centros de excelência cheguem aos locais mais remotos; governos economizam com os pregões eletrônicos; nenhuma modalidade de educação cresce como o ensino a distância; entregar o imposto de renda ficou mais fácil São Paulo não teria reduzido com tamanha rapidez seu índice de assassinato se não tivesse, no final da década de 1990, montado um banco de dados sobre onde acontece o crime e investir mais em inteligência.
Esse tipo de sistema é apontado no manifesto de Harvard como uma das explicações para a queda dos crimes ter sido mais acentuada em Nova York, Los Angeles e Chicago.

 

Em essência, a proposta baseia-se na ideia de que as novas tecnologias permitem uma gestão integrada.
Um dos exemplos mencionados é realizado no Harlem, em Nova York, que levou o presidente Obama a lançar o programa batizado de "Bairros de Futuro". Integram uma mesma rede os serviços à primeira infância, atendimento a jovens grávidas, enfrentamento à evasão, revitalização urbana, apoio aos pais que buscam emprego, ajuda com lição de casa, projetos de arte e esportes, estímulos para que o jovem conclua o ensino médio e entre na faculdade.
Em Baltimore, um portal permite ao cidadão acompanhar, em tempo real, da situação do crime, em cada rua, até a grama que não foi cortada, o lixo numa esquina, o atendimento em centros de saúde. A partir dessa página, estão conectadas dezenas de agências governamentais e uma série de linhas para reclamação.
Em Boston, montou-se uma conexão entre as bibliotecas, escolas e centros comunitários, na qual adultos, muitos deles voluntários, tutoram crianças e jovens até a noite. Em Nova York, criou-se um sistema integrado, envolvendo dezenas de parceiros, para depois que o aluno sai da escola -aliás, é leitura indispensável o livro, produzido pelo Instituto Braudel recém-publicado sobre a reforma educacional em Nova York, comparando com o Brasil.
Saíram também nas últimas duas semanas, mais duas obras que abordam a questão da nossa gestão escolar, trazendo comparações internacionais: "Vantagem Acadêmica de Cuba", Martins Carnoy, professor de Stanford; e "Educação Básica no Brasil", uma coletânea com algumas das melhores cabeças de nossa intelectualidade. Nunca se lançaram, ao mesmo tempo, tantas e tão profundas análises sobre o que perdemos por falta de gestão -e uma das razões disso, entre outras, é de integração das políticas públicas.
Somos um país em que quase ninguém se incomoda com o fato de estudantes não aprenderem por que não enxergam ou ouvem direito -porque não se coordenam os programas de saúde e educação. Numa cidade como São Paulo, ninguém protesta porque as bibliotecas ficam fechadas aos domingos.
Também pouca gente se incomoda com o Vale-Cultura, cujo montante pode chegar a R$ 7 bilhões ao ano, ser lançado sem um projeto educativo, o que vai se traduzir em dinheiro público para shows de funk, pagode e música sertaneja.

 

Pelo jeito, aqueles jovens da periferia de SP, com seus mapas digitais, estão mais próximos de Harvard.

 

PS - Coloquei em meu site (www.dimenstein.com.br) os blogs em desenvolvimento pelos adolescentes e o texto (em inglês) feito em Harvard. Por coincidência, foram lançados nas duas últimas semanas três extraordinários livros sobre como funciona (ou melhor, não funciona) a gestão educacional do Brasil. Está também a íntegra do livro sobre as reformas de Nova York.

gdimen@uol.com.br


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