São Paulo, domingo, 16 de agosto de 2009

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Prédio de classe média vive cercado pelo crack

O dia a dia dos moradores do edifício Miri, na praça Júlio Prestes, que fica bem no meio da cracolândia

GUSTAVO FIORATTI
LETICIA DE CASTRO
DA REVISTA DA FOLHA

É do janelão do quinto andar do edifício Miri, na praça Júlio Prestes, que o funcionário público aposentado Sebastião Cândido, 66, acompanha como se fosse um "reality show" o movimento de consumidores e traficantes de crack, no centro de São Paulo. Há dois anos, ele viu a cracolândia se instalar à porta do prédio de classe média, onde mora há 36 anos com a mulher, Dalva, e o filho.
Ele conhece os personagens principais e sabe distinguir fornecedores e usuários. "Se a rua está cheia de noia [consumidores de crack], pode andar sem medo de assalto. Os traficantes não querem chamar atenção da polícia", diz Sebastião.
São mais de cem janelas indiscretas no edifício Miri, todas com vista para a cracolândia. Na última segunda-feira, às 17h30, se desenrolava ali mais uma operação para "limpar" a área. Os moradores do prédio de 77 apartamentos -todos ocupados- podiam assistir de camarote a uma intensa movimentação: faziam ronda policiais da cavalaria, a Guarda Civil Metropolitana e a PM.
Apesar do vaivém de policiais e dos chamados noias, os proprietários e inquilinos do Miri desfrutam de uma das mais belas vistas da capital. À esquerda, a suntuosa estação Júlio Prestes, que abriga a Sala São Paulo; à direita, a antiga rodoviária, que depois virou o shopping da Luz, centro comercial popular.
Por ora, a paisagem serve também de pano de fundo para os embates que se arrastam há quase um mês, desde o início da Ação Integrada Centro Legal, que reúne prefeitura, governo do Estado, Judiciário e Ministério Público na tentativa de extinguir a cracolândia.
O edifício Miri é um sobrevivente da degradação que atingiu a vizinhança. As áreas de convivência e corredores do residencial são mantidos limpos e a fachada, sem pichação. Câmeras de segurança registram o entra e sai de moradores: advogados, professores, artistas, enfermeiras, dentistas e, em maior número, aposentados.
Testemunhas da decadência, os moradores aprenderam a conviver com a população que se instalou em sua porta. Uma proprietária que não quer ser identificada conquistou a simpatia dos "vizinhos" indesejados. "Andando cheia de sacolas pela rua, um garoto parou o trânsito para eu atravessar a rua", relata a aposentada.
A mulher de Sebastião, Dalva, 62, e um de seus três filhos, Fernando, 20, também dizem não temer andar pelas ruas.
A convivência nem sempre é pacífica. A situação da região, relatam muitos moradores do Miri, piorou quando a prefeitura fechou o shopping da Luz -o movimento de compradores afastava a cracolândia.

Toque de recolher
O olhar compassivo de uma parcela de moradores não é compartilhado por todos. José Raimundo Muniz, 54, que há seis anos se mudou para o Miri, resume a sua sensação: "A gente fica prisioneiro. Eles ficam na rua, e nós, dentro de casa."
Outra moradora, Cida Berci, 54, é uma das mais ativas do prédio. Liga quase toda semana para a prefeitura para reclamar, mas se recusa a mudar do prédio. "É a minha opção. Quero que melhore."
O mesmo discurso tem o mágico Sandro, morador do prédio há 49 anos e sem pretensão de deixar o apartamento. Ele já se habituou a olhar o relógio da estação Júlio Prestes.
A proximidade de supermercados e transporte público compensa o medo. Sandro já foi assaltado três vezes, ao voltar de suas apresentações.


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