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Prédio de classe média vive cercado pelo crack
O dia a dia dos moradores do edifício Miri, na praça Júlio Prestes, que fica bem no meio da cracolândia
GUSTAVO FIORATTI
LETICIA DE CASTRO
DA REVISTA DA FOLHA
É do janelão do quinto andar
do edifício Miri, na praça Júlio
Prestes, que o funcionário público aposentado Sebastião
Cândido, 66, acompanha como
se fosse um "reality show" o
movimento de consumidores e
traficantes de crack, no centro
de São Paulo. Há dois anos, ele
viu a cracolândia se instalar à
porta do prédio de classe média, onde mora há 36 anos com
a mulher, Dalva, e o filho.
Ele conhece os personagens
principais e sabe distinguir fornecedores e usuários. "Se a rua
está cheia de noia [consumidores de crack], pode andar sem
medo de assalto. Os traficantes
não querem chamar atenção da
polícia", diz Sebastião.
São mais de cem janelas indiscretas no edifício Miri, todas
com vista para a cracolândia.
Na última segunda-feira, às
17h30, se desenrolava ali mais
uma operação para "limpar" a
área. Os moradores do prédio
de 77 apartamentos -todos
ocupados- podiam assistir de
camarote a uma intensa movimentação: faziam ronda policiais da cavalaria, a Guarda Civil Metropolitana e a PM.
Apesar do vaivém de policiais
e dos chamados noias, os proprietários e inquilinos do Miri
desfrutam de uma das mais belas vistas da capital. À esquerda,
a suntuosa estação Júlio Prestes, que abriga a Sala São Paulo;
à direita, a antiga rodoviária,
que depois virou o shopping da
Luz, centro comercial popular.
Por ora, a paisagem serve
também de pano de fundo para
os embates que se arrastam há
quase um mês, desde o início da
Ação Integrada Centro Legal,
que reúne prefeitura, governo
do Estado, Judiciário e Ministério Público na tentativa de
extinguir a cracolândia.
O edifício Miri é um sobrevivente da degradação que atingiu a vizinhança. As áreas de
convivência e corredores do residencial são mantidos limpos
e a fachada, sem pichação. Câmeras de segurança registram
o entra e sai de moradores: advogados, professores, artistas,
enfermeiras, dentistas e, em
maior número, aposentados.
Testemunhas da decadência,
os moradores aprenderam a
conviver com a população que
se instalou em sua porta. Uma
proprietária que não quer ser
identificada conquistou a simpatia dos "vizinhos" indesejados. "Andando cheia de sacolas
pela rua, um garoto parou o
trânsito para eu atravessar a
rua", relata a aposentada.
A mulher de Sebastião, Dalva, 62, e um de seus três filhos,
Fernando, 20, também dizem
não temer andar pelas ruas.
A convivência nem sempre é
pacífica. A situação da região,
relatam muitos moradores do
Miri, piorou quando a prefeitura fechou o shopping da Luz -o
movimento de compradores
afastava a cracolândia.
Toque de recolher
O olhar compassivo de uma
parcela de moradores não é
compartilhado por todos. José
Raimundo Muniz, 54, que há
seis anos se mudou para o Miri,
resume a sua sensação: "A gente fica prisioneiro. Eles ficam
na rua, e nós, dentro de casa."
Outra moradora, Cida Berci,
54, é uma das mais ativas do
prédio. Liga quase toda semana
para a prefeitura para reclamar, mas se recusa a mudar do
prédio. "É a minha opção. Quero que melhore."
O mesmo discurso tem o mágico Sandro, morador do prédio
há 49 anos e sem pretensão de
deixar o apartamento. Ele já se
habituou a olhar o relógio da
estação Júlio Prestes.
A proximidade de supermercados e transporte público
compensa o medo. Sandro já foi
assaltado três vezes, ao voltar
de suas apresentações.
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