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ENTREVISTA DA 2ª DOUG LEMOV
Só conhecimento teórico não forma bom professor
DOCENTES TAMBÉM PRECISAM DE TÉCNICAS PARA TRANSMITIR CONHECIMENTO, INSPIRAR CRIANÇAS E MANEJAR SALA DE AULA
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ANTÔNIO GOIS
DO RIO
Quando, aos 21 anos, começou a dar aulas, Doug Lemov, 42, conta que ouviu
conselhos como "espere o
máximo dos seus alunos todo dia" ou "tenha altas expectativas sobre seu desempenho". No momento em que
ficava em frente aos estudantes em sala de aula, porém,
isso lhe parecia pouco útil.
No meio de tantas frases
de efeito, um professor mais
experiente lhe falou algo bastante concreto: "Quando precisar dar instruções aos alunos, não faça isso caminhando pela sala enquanto distribui papéis. Eles precisam entender que o que você fala é
mais importante do que
qualquer outra tarefa".
Foi a partir de dicas práticas como essa que Lemov,
hoje diretor de uma rede de
escolas nos EUA, passou a
prestar atenção nas técnicas
dos melhores professores.
Sua obsessão em descobrir
o que faz o docente top quando fecha a porta de sua classe
o levou a filmar por seis anos
aulas de profissionais que
conseguiam, mesmo em situações adversas, que seus
alunos aprendessem.
Este trabalho virou livro de
repercussão nos EUA, com
150 mil cópias vendidas, e
que será lançado em outubro
no Brasil, com o nome "Aula
Nota 10" (Fundação Lemann
e editora Da Boa Prosa).
Nele, Lemov descreve em
termos bem práticos 49 técnicas de bons professores. Podem não ser frases glamourosas, mas funcionam.
Em entrevista à Folha, o
autor diz que seu livro não
menospreza o conhecimento
teórico. Apenas argumenta
que, em vez de aprender apenas a partir de teorias, professores precisam olhar para
o que fazem seus colegas
com melhor desempenho.
Folha - Seu livro pode ser entendido também como crítica
ao modo como se formam
professores hoje nos EUA,
com currículos que enfatizam
demasiadamente teorias pedagógicas e deixam pouco espaço para o ensino de questões práticas de sala de aula.
Como foi a repercussão?
Doug Lemov - Pela resposta que tive, percebi que o problema na formação de professores nos EUA é mais profundo do que imaginava.
Alguns me disseram que
as ideias do livro eram muito
intuitivas. Outros, que não
havia nenhuma grande revelação e que o livro era até óbvio. Sinceramente, considerei elogio, pois isso revela
que há mais pessoas que
pensam da mesma maneira.
Eu tinha também algum
receio de o livro não ser bem
recebido por professores de
escolas públicas, já que trabalho numa organização que
mantém escolas "charters"
[geridas pela iniciativa privada, mas financiadas pelo poder público para atender gratuitamente alunos pobres] e,
nos EUA, tem havido muita
disputa em torno deste tema.
Mas acho que os professores entenderam que o livro
pode ser útil para seu trabalho, não importa em que tipo
de escola eles ensinam.
Só não tive resposta nenhuma das autoridades educacionais, responsáveis pela
política de formação de professores. Deles, percebi um
silêncio retumbante.
O que explicaria isso?
Talvez achem que eles estejam certos e eu, equivocado. Talvez porque estejam
numa postura defensiva, se
sentindo ameaçados com os
que criticam a política atual
de formação. Não estou certo
de que as pessoas responsáveis pela formação de professores tenham em mente que
o aprendizado das crianças
tem que ser a prioridade.
Ao enfatizar a importância de
aprender técnicas de manejo
de turma em sala de aula, você não estaria menosprezando a formação teórica?
Em nenhum momento digo que o conhecimento teórico não é importante. Pelo
contrário, é dramaticamente
importante. Se você vai ensinar matemática, você tem
que ter uma boa formação
em matemática. Mas meu
ponto é que só isso não faz de
alguém um bom professor.
Acho que as técnicas que
descrevo são úteis inclusive
para docentes que têm amplo conhecimento da disciplina que lecionam.
Imagine uma escola pública em área pobre que esteja
precisando de um professor
de física. Hoje em dia, já é difícil achar alguém que conheça bem a disciplina e esteja disposto a dar aulas.
Mas, se as pessoas com
boa formação em física souberem também técnicas para
fazer boas perguntas, inspirar crianças e manejar uma
sala de aula, triplicaríamos o
número de pessoas capazes
de dar boas aulas.
Meu livro trata muito mais
de como transmitir o conhecimento para os alunos.
Quando você é especialista
em algo, seu conhecimento
sobre o tema é quase intuitivo. Isso pode significar que
não seja natural para você
pensar em formas de transmitir isso para estudantes.
No Brasil, há muitas críticas
aos formatos tradicionais da
sala de aula, pouco atrativos
para jovens do século 21. No
entanto, muitos professores
reagem argumentando que a
sala de aula não é um circo, e
que aprender nem sempre é
divertido. Qual sua opinião?
Não acho que tenha que se
escolher entre um modelo ou
outro. É certo que você deve
inspirar os alunos e atrair sua
atenção, mas é preciso também fazê-los trabalhar duro.
Só não entendo como algumas pessoas resistem tanto em melhorar. Se você me
disser que há coisas que possa fazer para ser um pai melhor, eu vou querer aprender,
mesmo que eu já me considere o melhor pai do mundo.
Se em sua escola há uma
maioria de professores desmotivados ou desinteressados em melhorar, é difícil ser
o que dará o primeiro passo.
Mas, se você dá esse passo,
outros o seguirão, e isso se
tornará uma bola de neve.
Mas, no Brasil, professores
muitas vezes dão aulas em situações precárias. Como cobrar entusiasmo de um profissional nessa situação?
É certamente mais fácil ser
um ótimo professor numa escola maravilhosa. Mas, mesmo nas piores escolas dos Estados Unidos, há sempre um,
dois ou três que se destacam,
e, no meu livro, eu destaco
principalmente o trabalho de
professores que dão aulas
para alunos mais pobres.
Mesmo não conhecendo
bem o Brasil, tenho certeza
de que há bons profissionais
mesmo em escolas de pior
desempenho. Meu ponto é
que, em vez de aprender só
com teorias, também deveríamos aprender com exemplo dos ótimos professores.
Há, porém, escolas que facilitam o trabalho desses bons
professores e outras que dificultam. Quais características
você identifica nas que apresentem bons resultados?
Em primeiro lugar, são escolas preocupadas, acima de
tudo, no aprendizado do aluno. Parece bobo dizer isso,
mas, na prática, nem sempre
é o que acontece. Em segundo, há também uma constante análise de resultados, para
identificar os pontos fracos e
corrigi-los. Por último, são locais onde o professor se sente
valorizado e respeitado.
E o que um diretor precisa fazer para motivar a equipe?
Sei que é comum o ceticismo de professores em relação
a aperfeiçoamento. Em parte,
eles têm razão, pois muitos
conselhos ou treinamentos
dão em nada. Mas fazer os professores confiarem no seu trabalho é um resultado, e não
uma pré-condição. É preciso
mostrar que você é capaz de
ajudá-los a serem melhores.
Se você consegue fazer isso ao
menos com uma minoria, é
natural que outros vejam o resultado e passem a acreditar
em você.
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