São Paulo, terça-feira, 16 de agosto de 2011

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JAIRO MARQUES

Você sabe mexer com um PC?


Ver quem tem paralisia cerebral como um ser que pode atuar de forma diferente é o caminho

A ERA É DOS IPODS, aí não podes, iPads, smartphones, redes sociais, informações nas nuvens, na Cochinchina e sei lá mais onde. É um mundaréu de cacarecos eletrônicos para dar conta de entender, saber manipular, saber interagir.
Como não tem mais bobo no futebol, ninguém fica para trás e rapidinho aprende a conectar o cabo USB, a mandar o retrato por Bluethooth.
Acontece que, mesmo em uma realidade cada vez mais digital, ainda há muita confusão, dificuldade e formas erradas ou desvirtuadas de mexer com o básico do básico, com o PC, que, no meu planeta, é sigla para quem tem paralisia cerebral.
Com certeza, você já trombou com um cabra PC alguma vez na vida. Rotineiramente, eles passam por bocós ou incapacitados totais de juntar cré com lé. Isso porque a paralisia cerebral pode dar uma boa prejudicada no esqueleto do sujeito, e quem vê cara torta e boca aberta não vê coração, não vê cérebro, não vê nada capaz de fazer uma conexão.
E o que percebo como mais broca na peleja do PC para ser reconhecido como gente em sociedade são os casos graves, aqueles em que, da carapaça, sobrou pouco para o sujeito: não anda, não fala e mal consegue abanar a mosca do bolo, mas pensa, raciocina, faz sinapse, respira e quer seu espaço, sua cidadania.
Tive uma prima PC, Lara. Nos tempos de antigamente, nos quais ela viveu, essa deficiência -que potencialmente detona a capacidade motora e não necessariamente a intelectual- era tão negligenciada que as pessoas afetadas eram tratadas isoladas da humanidade, não raro vivendo dentro de quartinhos, afastadas de olhares curiosos.
Mesmo com quase 30 anos na lomba, Larinha, por pura ignorância da família, era tratada e estimulada como um bebê, o que é bastante comum quando não se sabe agir com alguém com alguma deficiência. Ela se foi, a ciência evoluiu, a medicina avançou e hoje crianças PCs, graças à força dos pais e a entidades ligadas à causa, estão desfilando nas praças e nos shoppings e enfrentando o cão chupando manga para poderem ser aceitas em escolas como qualquer outra pessoa.
A principal dica para "enfrentar" um caboclo com paralisia cerebral é tentar ao máximo mudar aquele olhar 43, com uma carga cheia de pessimismo, de valores predeterminados, de incapacidades suas que são projetadas no outro. Tentar ver o PC como um ser apenas diferente, que pode atuar no mundo de forma diferente, é o caminho.
Ignorar a presença de pessoa com paralisia cerebral em seu ambiente ou fazer papel de "ridicoloman" tratando-a como uma "despombalizada" das faculdades mentais sem saber se ela tem mesmo um comprometimento cognitivo grave é atitude do século passado.
Assim como há computadores de todas as potências e desempenhos, há PCs com diferentes avarias na funilaria. Eles podem circular normalmente por aí, apenas descompensados de uma perna, com uma parte do rosto meio repuxadinha, ou podem andar em cadeira de rodas e ser bem prejudicados no todo. Mas isso não importa. O que importa é que eles são seres viventes superiores e mais capazes que qualquer máquina tecnológica, que tende a ficar inútil de seis em seis meses.

jairo.marques@grupofolha.com.br

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