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GILBERTO DIMENSTEIN
Sua empregada rouba, mas faz?
Você tem uma excelente empregada, dessas cobiçadas pelos amigos; além de educada e
prestativa, prepara pratos deliciosos.
Para evitar que aceite outra
oferta de emprego, você paga
um salário acima da média e,
sempre que possível, oferece
presentes.
Num determinado dia, a decepção: descobre que, em todos
esses anos, ela vem tirando dinheiro de sua carteira.
Qual seria sua reação?
Mandar embora, fechar
olhos ou elogiá-la?
Talvez até esteja em dúvida
entre as primeiras duas opções.
Mas o elogio parece maluquice.
Não é maluquice - é exatamente assim que, sem saber,
uma expressiva parcela dos
brasileiros se comporta.
Pesquisas realizadas em todo
o país revelam que o descrédito
com os políticos chegou a tal
ponto que, para uma larga
quantidade de eleitores, há,
basicamente, duas categorias:
os malandros que nada ou
pouco fazem e os malandros
que fazem.
Logo, é melhor votar em
quem rouba, mas faz.
Exemplo: um dos candidatos
favoritos ao governo de São
Paulo é Paulo Maluf.
Quase metade de seus eleitores, segundo o Ibope, acredita
nas acusações, lançadas pelos
opositores, de que ele teria desviado recursos indevidamente.
Mesmo assim, não muda de
voto, convencida de suas qualidades como administrador.
Não estou discutindo, aqui,
se Paulo Maluf é ou não desonesto.
O fato é que uma ampla parcela de seus eleitores, como
ocorre com candidatos em várias partes do país, não acredita que esse, digamos, defeito
seja tão grave assim.
Qual a diferença, afinal, entre o governador e a empregada? Nenhuma.
O homem público e a empregada desviam, igualmente, o
seu dinheiro; o dinheiro do imposto, óbvio, também saiu da
carteira.
Não perceber essa obviedade
é um dos sintomas mais baixos
não apenas do descrédito da
classe política, mas da falta de
educação.
Dois padrões: dispensa-se,
certamente, com raiva, a empregada; mas elege-se o candidato.
Em dezembro de 1995, o Datafolha mediu o ranking do
prestígio da instituições.
Nos dois últimos lugares, pela ordem, ficaram Congresso e
partidos políticos.
A tendência perdura até hoje. Num levantamento semelhante do Vox Populi, recém-concluído, os eleitores elegeram Congresso Nacional e,
depois, governo, como os campeões de inconfiabilidade.
Para 42%, o Congresso tem
atrapalhado o país; só 25% estão convencidos de que ajuda.
Tradução: um eventual fechamento do Congresso não
provocaria tanta comoção popular.
Os sinais vitais da imagem
da democracia estão contaminados.
Impressionante que, apesar
de todos os avanços e impeachment presidencial, 55% imaginam que a inflação aumenta;
35% dizem que "continua a
mesma coisa".
Para 90%, segundo o Vox Populi, a bandalheira corre solta.
Corre solta - e impune.
Para 44% dos entrevistados
cresce a impunidade; outros
44% acham que nada mudou.
Em resumo, o brasileiro acredita que não apenas o crime é
generalizado, mas compensa
- o que, certamente, explica o
cinismo e o desinteresse com as
eleições.
O professor Fernando Henrique Cardoso tem ensinado em
São Paulo como o eleitor deve
ser cínico.
No passado, ele participava
de coros durante o comício,
onde se gritava "um, dois, três,
Maluf no xadrez".
Nos outdoors de São Paulo,
ele aparece hoje ao lado de
Paulo Maluf - e, ao mesmo
tempo, está nos cartazes da
campanha de Mário Covas.
Se o presidente que é presidente atua com oportunismo
tão explícito por que o eleitor
comum iria imaginar que os
valores políticos seriam elevados?
PS- Para o leitor não acabar
a coluna apenas como má notícia, duas experiências em
gestação.
Assessorada pela Escola do
Futuro, da USP, a Fundação
Bradesco acertou parceria com
duas escolas públicas para desenvolver projeto de excelência
no ensino e cidadania e tecnologia- uma delas, Rodrigues
Alves, na avenida Paulista.
Estão envolvidos educadores
brasileiros que desenvolvem
programas ou estudos sobre
como ensinar cidadania em
sala de aula. Há na lista de palestrantes do compositor Antônio Nobrega a Paul Martin, o
chefe do Departamento de Direitos Humanos da Universidade de Columbia, em Nova
York, professor da faculdade
de Pedagogia.
Se bem-sucedido, o projeto se
espalha para o resto do país.
Em Salvador, fundações,Unicef e educadores de primeira linha ajudam Carlinhos Brown
a fazer uma sofisticada escola
de música e cidadania para
alunos pobres frequentarem
como complemento das aulas
regulares.
Não é só para batuque, mas
também violino.
E-mail: gdimen@uol.com.br
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