São Paulo, domingo, 16 de agosto de 1998

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GILBERTO DIMENSTEIN
Sua empregada rouba, mas faz?

Você tem uma excelente empregada, dessas cobiçadas pelos amigos; além de educada e prestativa, prepara pratos deliciosos.
Para evitar que aceite outra oferta de emprego, você paga um salário acima da média e, sempre que possível, oferece presentes.
Num determinado dia, a decepção: descobre que, em todos esses anos, ela vem tirando dinheiro de sua carteira.
Qual seria sua reação?
Mandar embora, fechar olhos ou elogiá-la?
Talvez até esteja em dúvida entre as primeiras duas opções. Mas o elogio parece maluquice.
Não é maluquice - é exatamente assim que, sem saber, uma expressiva parcela dos brasileiros se comporta.


Pesquisas realizadas em todo o país revelam que o descrédito com os políticos chegou a tal ponto que, para uma larga quantidade de eleitores, há, basicamente, duas categorias: os malandros que nada ou pouco fazem e os malandros que fazem.
Logo, é melhor votar em quem rouba, mas faz.
Exemplo: um dos candidatos favoritos ao governo de São Paulo é Paulo Maluf.
Quase metade de seus eleitores, segundo o Ibope, acredita nas acusações, lançadas pelos opositores, de que ele teria desviado recursos indevidamente.
Mesmo assim, não muda de voto, convencida de suas qualidades como administrador.


Não estou discutindo, aqui, se Paulo Maluf é ou não desonesto.
O fato é que uma ampla parcela de seus eleitores, como ocorre com candidatos em várias partes do país, não acredita que esse, digamos, defeito seja tão grave assim.
Qual a diferença, afinal, entre o governador e a empregada? Nenhuma.
O homem público e a empregada desviam, igualmente, o seu dinheiro; o dinheiro do imposto, óbvio, também saiu da carteira.
Não perceber essa obviedade é um dos sintomas mais baixos não apenas do descrédito da classe política, mas da falta de educação.
Dois padrões: dispensa-se, certamente, com raiva, a empregada; mas elege-se o candidato.


Em dezembro de 1995, o Datafolha mediu o ranking do prestígio da instituições.
Nos dois últimos lugares, pela ordem, ficaram Congresso e partidos políticos.
A tendência perdura até hoje. Num levantamento semelhante do Vox Populi, recém-concluído, os eleitores elegeram Congresso Nacional e, depois, governo, como os campeões de inconfiabilidade.
Para 42%, o Congresso tem atrapalhado o país; só 25% estão convencidos de que ajuda.
Tradução: um eventual fechamento do Congresso não provocaria tanta comoção popular.


Os sinais vitais da imagem da democracia estão contaminados.
Impressionante que, apesar de todos os avanços e impeachment presidencial, 55% imaginam que a inflação aumenta; 35% dizem que "continua a mesma coisa".
Para 90%, segundo o Vox Populi, a bandalheira corre solta.


Corre solta - e impune.
Para 44% dos entrevistados cresce a impunidade; outros 44% acham que nada mudou.
Em resumo, o brasileiro acredita que não apenas o crime é generalizado, mas compensa - o que, certamente, explica o cinismo e o desinteresse com as eleições.


O professor Fernando Henrique Cardoso tem ensinado em São Paulo como o eleitor deve ser cínico.
No passado, ele participava de coros durante o comício, onde se gritava "um, dois, três, Maluf no xadrez".
Nos outdoors de São Paulo, ele aparece hoje ao lado de Paulo Maluf - e, ao mesmo tempo, está nos cartazes da campanha de Mário Covas.
Se o presidente que é presidente atua com oportunismo tão explícito por que o eleitor comum iria imaginar que os valores políticos seriam elevados?


PS- Para o leitor não acabar a coluna apenas como má notícia, duas experiências em gestação.
Assessorada pela Escola do Futuro, da USP, a Fundação Bradesco acertou parceria com duas escolas públicas para desenvolver projeto de excelência no ensino e cidadania e tecnologia- uma delas, Rodrigues Alves, na avenida Paulista.
Estão envolvidos educadores brasileiros que desenvolvem programas ou estudos sobre como ensinar cidadania em sala de aula. Há na lista de palestrantes do compositor Antônio Nobrega a Paul Martin, o chefe do Departamento de Direitos Humanos da Universidade de Columbia, em Nova York, professor da faculdade de Pedagogia.
Se bem-sucedido, o projeto se espalha para o resto do país.
Em Salvador, fundações,Unicef e educadores de primeira linha ajudam Carlinhos Brown a fazer uma sofisticada escola de música e cidadania para alunos pobres frequentarem como complemento das aulas regulares.
Não é só para batuque, mas também violino.


E-mail: gdimen@uol.com.br



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