São Paulo, segunda-feira, 16 de setembro de 2002

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MOACYR SCLIAR

Paixão exótica

 Filmes pornô falham na tentativa de excitar pandas. Cientistas querem despertar o interesse dos pandas pelas fêmeas, na tentativa de salvar a espécie, que está em via de extinção. O acasalamento natural dos animais é o principal objetivo. Os cientistas mostram aos ursos fitas de vídeo pornô com pandas, claro, ministram-lhe ervas afrodisíacas e também administram estrógenos às fêmeas. Folha Online, 9.set.2002.

O projeto todo era bastante complexo, mas a parte mais difícil foi a preparação do vídeo pornô. Um diretor de cinema especializado em tais produções foi chamado. Ouviu, encantado, a solicitação dos cientistas e disse que sim, que poderia preparar o tal vídeo. Só necessitaria de dois personagens, um urso e uma ursa, devidamente treinados para fingir, diante das câmeras, tórridas cenas de paixão, componentes indispensáveis de tais produções:
-Prevejo que esta produção vá mudar o rumo do vídeo pornográfico, declarou, entusiasmado (um pronunciamento que depois se revelaria profético).
Os cientistas, contudo, ponderaram que a dificuldade era exatamente aquela: os pandas não queriam fazer amor. Os machos, sobretudo, mostravam-se particularmente desinteressados -mesmo após doses generosas de Viagra. O diretor, contudo, não se deixou desanimar:
-E se eu fizesse um filme de animação, com efeitos especiais? Será que os pandas notariam a diferença?
Os cientistas discutiram a questão, mas não chegaram a um consenso: ninguém tinha analisado a conduta dos pandas como espectadores de vídeo. Estavam de acordo, no entanto, em que valeria a pena tentar. Afinal, tratava-se de um método inócuo e, se desse resultado, poderia inaugurar uma nova era no estudo da psicologia animal.
O diretor convocou dois famosos especialistas em animação. A equipe trabalhou afanosamente durante duas semanas e, por fim, exibiu, orgulhosamente, o vídeo. Que era perfeito. Os pandas pareciam inteiramente reais, ao menos para humanos.
Mas não para os próprios pandas, que olharam o vídeo com o maior desinteresse. Um deles até se retirou do recinto, com uma visível expressão de enfado. Os cientistas ficaram muito desapontados, o diretor e os animadores também. Pelo jeito, aquilo tinha sido uma tentativa fracassada.
Que teve, porém, um resultado inesperado. Duas semanas depois, o diretor do projeto recebeu a visita de um dos empregados da reserva dos pandas. Muito embaraçado, o homem disse que tinha uma confissão a fazer. Durante todos aqueles dias, ele havia assistido, em segredo e fascinado, ao vídeo agora abandonado num canto do laboratório. As cenas ali mostradas perturbavam-no ao extremo. E ele confessava: estava apaixonado por uma das ursas. Aquela face branca e cândida, aquelas manchas ao redor dos olhos, não pensava em outra coisa. Tratava-se, ele bem o reconhecia, de uma paixão estranha e, por isso, estava pedindo auxílio aos cientistas.
Novamente uma reunião foi convocada. Ninguém sabia o que fazer. Quem resolveu o problema foi a secretária do projeto, uma esperta jovem que era também maquiadora nas horas vagas. Ela pediu para falar com a esposa do aflito empregado. Quando, naquela noite, o homem voltou para casa, viu que a esposa tinha, por artes da moderna maquiagem, se transformado numa encantadora fêmea de panda: a face branca e cândida, as manchas ao redor dos olhos. Puxou-a para si, fizeram amor e, desde então, tudo voltou ao normal. Quanto ao vídeo, está trancado num cofre. Por precaução, claro.


O escritor Moacyr Scliar escreve às segundas-feiras, nesta coluna, um texto de ficção baseado em reportagens publicadas no jornal.


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