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MOACYR SCLIAR
Paixão exótica
Filmes pornô falham na tentativa de
excitar pandas. Cientistas querem
despertar o interesse dos pandas pelas fêmeas, na tentativa de salvar a
espécie, que está em via de extinção.
O acasalamento natural dos animais
é o principal objetivo. Os cientistas
mostram aos ursos fitas de vídeo pornô com pandas, claro, ministram-lhe
ervas afrodisíacas e também administram estrógenos às fêmeas.
Folha Online, 9.set.2002.
O projeto todo era bastante complexo, mas a parte mais difícil foi a preparação do
vídeo pornô. Um diretor de cinema especializado em tais produções foi chamado. Ouviu, encantado, a solicitação dos cientistas e
disse que sim, que poderia preparar o tal vídeo. Só necessitaria de
dois personagens, um urso e uma
ursa, devidamente treinados para
fingir, diante das câmeras, tórridas cenas de paixão, componentes indispensáveis de tais produções:
-Prevejo que esta produção vá
mudar o rumo do vídeo pornográfico, declarou, entusiasmado
(um pronunciamento que depois
se revelaria profético).
Os cientistas, contudo, ponderaram que a dificuldade era exatamente aquela: os pandas não
queriam fazer amor. Os machos,
sobretudo, mostravam-se particularmente desinteressados
-mesmo após doses generosas de
Viagra. O diretor, contudo, não se
deixou desanimar:
-E se eu fizesse um filme de
animação, com efeitos especiais?
Será que os pandas notariam a
diferença?
Os cientistas discutiram a questão, mas não chegaram a um consenso: ninguém tinha analisado a
conduta dos pandas como espectadores de vídeo. Estavam de
acordo, no entanto, em que valeria a pena tentar. Afinal, tratava-se de um método inócuo e, se desse resultado, poderia inaugurar
uma nova era no estudo da psicologia animal.
O diretor convocou dois famosos especialistas em animação. A
equipe trabalhou afanosamente
durante duas semanas e, por fim,
exibiu, orgulhosamente, o vídeo.
Que era perfeito. Os pandas pareciam inteiramente reais, ao menos para humanos.
Mas não para os próprios pandas, que olharam o vídeo com o
maior desinteresse. Um deles até
se retirou do recinto, com uma visível expressão de enfado. Os cientistas ficaram muito desapontados, o diretor e os animadores
também. Pelo jeito, aquilo tinha
sido uma tentativa fracassada.
Que teve, porém, um resultado
inesperado. Duas semanas depois, o diretor do projeto recebeu
a visita de um dos empregados da
reserva dos pandas. Muito embaraçado, o homem disse que tinha
uma confissão a fazer. Durante
todos aqueles dias, ele havia assistido, em segredo e fascinado, ao
vídeo agora abandonado num
canto do laboratório. As cenas ali
mostradas perturbavam-no ao
extremo. E ele confessava: estava
apaixonado por uma das ursas.
Aquela face branca e cândida,
aquelas manchas ao redor dos
olhos, não pensava em outra coisa. Tratava-se, ele bem o reconhecia, de uma paixão estranha e,
por isso, estava pedindo auxílio
aos cientistas.
Novamente uma reunião foi
convocada. Ninguém sabia o que
fazer. Quem resolveu o problema
foi a secretária do projeto, uma
esperta jovem que era também
maquiadora nas horas vagas. Ela
pediu para falar com a esposa do
aflito empregado. Quando, naquela noite, o homem voltou para
casa, viu que a esposa tinha, por
artes da moderna maquiagem, se
transformado numa encantadora fêmea de panda: a face branca
e cândida, as manchas ao redor
dos olhos. Puxou-a para si, fizeram amor e, desde então, tudo
voltou ao normal. Quanto ao vídeo, está trancado num cofre. Por
precaução, claro.
O escritor Moacyr Scliar escreve às segundas-feiras, nesta coluna, um texto de
ficção baseado em reportagens publicadas no jornal.
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