São Paulo, sábado, 16 de setembro de 2006

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

WALTER CENEVIVA

"Spread" em Comandatuba

EM TEXTO claro e objetivo, Fernando Rodrigues noticiou segunda-feira que 47 magistrados estiveram no hotel da ilha de Comandatuba, acompanhados de familiares. Foram a convite da Febraban (Federação Brasileira de Bancos), no feriado da Independência. Houve palestras para discussão do "spread" e de crédito. A Febraban informou ter gasto R$ 182 mil.
A notícia agitou a área jurídica a respeito do convite e de sua aceitação. O assunto merece a atenção do leitor. O Judiciário é um poder da República que, no século 21, tem recebido permanente exposição, exemplificada por Luiz Inácio Lula da Silva, há pouco tempo, ao dizer que se deve abrir "a caixa preta" do Judiciário. A relação dos juízes com bancos e banqueiros não vira "caixa preta" até porque aqueles devem manter contato com todos os segmentos da sociedade. No caso de Comandatuba, o esforço dos expositores da Febraban para demonstrar que o resultado final do "spread" bancário é pequeno pode ter levado ao efeito contrário, se alguém houver perguntado sobre o lucro de bilhões de reais que os grandes bancos apresentam em seus balanços.
"O comportamento dos juízes é legal?", perguntará o leitor. No meu entender, a aceitação do convite é legalmente admissível. Há, porém, pedido de providências dos conselheiros Paulo Lobo e Eduardo Lorenzoni, do Conselho Nacional da Justiça, em face da possibilidade de que tenha ocorrido a violação do inciso IV do parágrafo único do artigo 95 da Constituição, pelo recebimento de auxílios indevidos. Para colocar a questão em justa perspectiva, saiba o leitor que é comum encontrarem-se nos hotéis brasileiros magistrados e membros do Ministério Público viajando a convite de entidades empresariais, profissionais ou de serviços, para participarem de seus eventos. Esse juristurismo está nos costumes nacionais, conforme deixou claro na quinta-feira, em carta no "Painel do Leitor", o desembargador gaúcho que recusou o convite, mas nada viu de mal na participação dos colegas.


É comum encontrarem-se nos hotéis magistrados viajando a convite de entidades empresariais

Questionamentos passam do terreno do direito para o da ética. O ministro Rafael de Barros Monteiro, presidente do Superior Tribunal de Justiça, homem de irrepreensível probidade, reconheceu o risco da aceitação do convite nos termos noticiados. Há outra pergunta direta: esse tipo de compromisso "pega bem"? Não. Não "pega bem". Barros Monteiro reconheceu que "pode melindrar o Poder Judiciário".
Se as providências pedidas ao Conselho Nacional da Justiça forem à frente, a averiguação apurará qual a pessoa que convidou os juízes em nome dos bancos? Qual o critério para a escolha predominante de tribunais no sul do país, onde é maior o número de processos judiciais de interesse dos bancos? A aceitação dos convites foi referendada pelos respectivos tribunais? Que outros eventos dessa espécie têm acontecido e em que condições?
Recentemente os bancos perderam longa batalha no Supremo Tribunal Federal contra a inclusão de seu relacionamento com os clientes, sob o Código de Defesa do Consumidor. Conseguiram retardar durante anos a solução do caso que, ao fim, lhes foi contrária. Não houve jeito: o cliente do banco é consumidor de seus serviços, com as garantias decorrentes da relação de consumo. É um bom sinal.


Texto Anterior: Namorada de coronel tem sigilo quebrado
Próximo Texto: Livros Jurídicos
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.