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PASQUALE CIPRO NETO
A crase e o contexto
Diz uma das máximas das
redações dos jornais que "título bom é título que cabe". É por
isso que, na hora de compor o título da matéria, muitas vezes o
jornalista manda as normas linguísticas para o chamado espaço.
Surgem monstrinhos como "DAC
intervém sobre Vasp" (em que o
"na" deixaria um "branco", conforme se diz no jargão jornalístico), ou como "Escort não é páreo
a Astra" (em que o "para" provocaria "estouro", ou seja, não caberia). Em nome do espaço, vale
tudo, ou quase tudo.
Costumo dizer que os jornais escrevem em português, mas muitas vezes titulam em "titulês".
Por essas e outras, os leitores
acabam desconfiando dos títulos,
mesmo quando corretos. É como
a história do pastor de ovelhas e
do lobo. Quando é para valer,
ninguém mais acredita.
Um dos casos que mais intrigam os leitores é o do acento grave, que, como se sabe, indica a
ocorrência de crase. Na última
terça, a Folha publicou este título:
"Candidatos à vaga na OAB sujam cidade". É correto o "à"? Deveria ele ser substituído por "a"?
Tanto faz? Ou depende?
Depende. A OAB (Ordem dos
Advogados do Brasil) realizará
eleição em que se escolherá o presidente da Secção de São Paulo. A
tal vaga, portanto, é uma só. Nada mais justo, pois, que determinar esse substantivo feminino
com o artigo definido "a", que se
funde com a preposição "a", regida pelo substantivo "candidatos"
(candidatos a algo).
E se a eleição fosse realizada para que se escolhessem vários candidatos? Se se tratasse, por exemplo, da eleição para uma das 55
vagas da Câmara Municipal de
São Paulo, como seria o título?
Poderia ser este: "Candidatos a
vaga na Câmara sujam cidade".
Percebeu? A história agora é outra. Essa vaga é uma das tantas,
ou seja, não é a única, por isso
não se empregou o artigo definido. É o que ocorre em títulos como
"Edmundo quer vaga no time titular", ou como "Crianças da periferia não encontram vaga na rede escolar pública".
Moral da história: em "Candidatos à vaga na OAB sujam cidade", o acento indicador de crase é
correto, tendo em vista o contexto. Já em "Candidatos a vaga na
Câmara sujam cidade", é também o contexto o que explica por
que é correto não empregar o
acento grave.
Por falar em crase e em OAB,
convém comentar um comunicado que a entidade publicou em
vários jornais na última terça.
Nele se lê este trecho: "...devendo-se entender a proibição de voto
inadimplente nas eleições do próximo dia 16 à uma rigorosa disposição que emana do estatuto e do
regulamento...".
A estranha construção "entender a proibição (...) à uma rigorosa disposição" (talvez a intenção
fosse dizer "entender/interpretar
a proibição como rigorosa disposição" ou, lançando mão de neologismo de que nem todos gostam, "creditar a proibição...")
contém erro no uso do acento grave (em "à uma"). O artigo "uma"
(de emprego e necessidade discutíveis) rejeita outro artigo.
Em outras palavras, o "à" antes
do artigo "uma" é incorreto. Antes do numeral "uma", é outra
história. É isso.
Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna às quintas-feiras.
E-mail - inculta@uol.com.br
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