São Paulo, quinta-feira, 16 de novembro de 2000

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PASQUALE CIPRO NETO
A crase e o contexto

Diz uma das máximas das redações dos jornais que "título bom é título que cabe". É por isso que, na hora de compor o título da matéria, muitas vezes o jornalista manda as normas linguísticas para o chamado espaço. Surgem monstrinhos como "DAC intervém sobre Vasp" (em que o "na" deixaria um "branco", conforme se diz no jargão jornalístico), ou como "Escort não é páreo a Astra" (em que o "para" provocaria "estouro", ou seja, não caberia). Em nome do espaço, vale tudo, ou quase tudo.
Costumo dizer que os jornais escrevem em português, mas muitas vezes titulam em "titulês".
Por essas e outras, os leitores acabam desconfiando dos títulos, mesmo quando corretos. É como a história do pastor de ovelhas e do lobo. Quando é para valer, ninguém mais acredita.
Um dos casos que mais intrigam os leitores é o do acento grave, que, como se sabe, indica a ocorrência de crase. Na última terça, a Folha publicou este título: "Candidatos à vaga na OAB sujam cidade". É correto o "à"? Deveria ele ser substituído por "a"? Tanto faz? Ou depende?
Depende. A OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) realizará eleição em que se escolherá o presidente da Secção de São Paulo. A tal vaga, portanto, é uma só. Nada mais justo, pois, que determinar esse substantivo feminino com o artigo definido "a", que se funde com a preposição "a", regida pelo substantivo "candidatos" (candidatos a algo).
E se a eleição fosse realizada para que se escolhessem vários candidatos? Se se tratasse, por exemplo, da eleição para uma das 55 vagas da Câmara Municipal de São Paulo, como seria o título? Poderia ser este: "Candidatos a vaga na Câmara sujam cidade".
Percebeu? A história agora é outra. Essa vaga é uma das tantas, ou seja, não é a única, por isso não se empregou o artigo definido. É o que ocorre em títulos como "Edmundo quer vaga no time titular", ou como "Crianças da periferia não encontram vaga na rede escolar pública".
Moral da história: em "Candidatos à vaga na OAB sujam cidade", o acento indicador de crase é correto, tendo em vista o contexto. Já em "Candidatos a vaga na Câmara sujam cidade", é também o contexto o que explica por que é correto não empregar o acento grave.
Por falar em crase e em OAB, convém comentar um comunicado que a entidade publicou em vários jornais na última terça. Nele se lê este trecho: "...devendo-se entender a proibição de voto inadimplente nas eleições do próximo dia 16 à uma rigorosa disposição que emana do estatuto e do regulamento...".
A estranha construção "entender a proibição (...) à uma rigorosa disposição" (talvez a intenção fosse dizer "entender/interpretar a proibição como rigorosa disposição" ou, lançando mão de neologismo de que nem todos gostam, "creditar a proibição...") contém erro no uso do acento grave (em "à uma"). O artigo "uma" (de emprego e necessidade discutíveis) rejeita outro artigo.
Em outras palavras, o "à" antes do artigo "uma" é incorreto. Antes do numeral "uma", é outra história. É isso.


Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna às quintas-feiras.
E-mail - inculta@uol.com.br


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