São Paulo, quarta-feira, 16 de novembro de 2005

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DESEDUCAÇÃO NO TRÂNSITO

Emissoras FM voltadas para jovens fazem promoção para turbinar veículo e exaltam velocidade

Rádios prometem carros "velozes e furiosos"

ALENCAR IZIDORO
FÁBIO TAKAHASHI
DA REPORTAGEM LOCAL

A moda de equipar os carros para deixá-los mais potentes e com visual extravagante levou duas emissoras de rádio FM de São Paulo a fazer promoções na contramão do que pregam os especialistas em segurança viária.
Quem vencer terá um veículo personalizado, com pintura e faróis especiais, rodas e pneus esportivos, dentre outros acessórios, e turbinado -com kits turbo e nitro para aumentar a potência do motor, equipamentos tradicionalmente relacionados às fortes arrancadas, altas velocidades e rachas automobilísticos.
O excesso de velocidade é uma das principais causas de morte no trânsito no Brasil e no mundo.
As promoções foram lançadas por duas emissoras concorrentes, voltadas ao público jovem, a Mix e a Metropolitana, no embalo da moda do tuning, que ganhou impulso em razão do filme "Velozes e Furiosos", lançado em 2001, que trata do submundo das corridas de rua em Los Angeles.
O termo "carro tunado" -que vem da palavra tuning- é uma versão atualizada dos antigos "carros envenenados". Trata-se da instalação de equipamentos e acessórios para torná-los radicais.
São Paulo teve seu primeiro salão de tuning em 2005, com 65 mil visitantes e 96 expositores.
"O carro tunado é a grande febre da garotada", afirma Celso Rodrigues, diretor de promoções da Metropolitana, que fará as mudanças no carro do próprio ganhador, a ser sorteado no próximo dia 20. Com 87,4 mil ouvintes por minuto, a rádio ficou na sétima posição do ranking de audiência do Ibope em agosto na Grande São Paulo.
"A molecada gosta muito de carro tunado", diz Marcos Vicca, coordenador artístico da Mix, sexta no ranking, com 92,5 mil ouvintes por minuto, e que vai dar no mês que vem um carro já equipado, com modelo a ser definido.
As promoções são abertas a menores de idade. A apologia à velocidade é feita também pelo teor das propagandas.
"Tudo o que você sempre sonhou para ter um carro veloz e furioso", exalta a Mix. "O que adianta ter tudo isso de equipamento [rodas esportivas, pintura especial] pra deixar bonito sem ter um motor bom, não é verdade? Então vamos turbinar seu carro também", diz a Metropolitana.

Sentido oposto
"O que será feito com um carro turbinado? Não é para ficar parado no congestionamento", afirma Ailton Brasiliense Pires, diretor-presidente do Denatran (Departamento Nacional de Trânsito).
"Isso vai no sentido oposto da educação no trânsito", avalia Cristina Baddini, da ANTP (Associação Nacional de Transportes Públicos). A contrariedade dos especialistas aumenta pelo fato de os jovens serem as principais vítimas do trânsito. No final dos anos 90, os que tinham de 18 a 30 anos representavam 52% das mortes em acidentes em São Paulo.
A polêmica é agravada pela dificuldade de ter um carro turbinado de forma regular e segura no país. Não é à toa que as rádios incluem no regulamento ressalvas. A lei não proíbe a instalação do turbo, mas as exigências para fazer as mudanças levam a maioria a dispensar as regras legais.
O procedimento correto abrange a autorização prévia do Detran (Departamento Estadual de Trânsito), entrega das notas fiscais de todos os equipamentos, realização de vistoria em oficina credenciada pelo Inmetro e alterações no documento e no valor do IPVA -com o pagamento de taxas.
O problema na oferta das rádios, apontado por especialistas ouvidos pela Folha, é que a lei proíbe alterações na suspensão de carros de passeio ou de uso misto. E, segundo eles, aumentar a potência do motor sem mudar o freio e a suspensão só eleva os riscos. "Eu me recuso a dar um certificado de segurança veicular nessas condições", diz Roberto Petruci, engenheiro da Cetra, uma das oficinas credenciadas a fazer as vistorias em São Paulo.
Logo que tirou a carteira de habilitação, aos 18 anos, Celso já colocou turbo no seu carro. Por que fez isso?. "Dá prazer em dizer: meu carro é turbinado", conta.
Treze anos se passaram e o comerciante continua modificando o motor do seu veículo. Agora, Celso tem um Gol, que vale R$ 10 mil. Para colocar o turbo, ele gastou R$ 15 mil. "O que mais gosto é o "espirro" [ruído] que faz quando você troca as marchas. Isso é uma coisa que seduz", relata.


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