São Paulo, segunda, 16 de novembro de 1998

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SAÚDE
Até os 5 anos, crianças negras e pardas têm 67% mais chances de morrer que as brancas, diz estudo do IBGE
Mortalidade infantil é maior entre negros

JOSÉ ROBERTO DE TOLEDO

da Reportagem Local

A taxa de mortalidade entre crianças negras e pardas brasileiras é dois terços superior à da população branca da mesma idade. Em outras palavras, até os 5 anos elas têm 67% mais chances de morrer que uma criança branca. A situação é tão grave que estariam melhor se morassem em alguns países africanos. A taxa de mortalidade entre crianças brasileiras pardas e negras de até 5 anos de idade é de 76 para cada mil nascidas vivas. Para as brancas, de cada mil que nascem vivas, 46 morrem antes de completar 5 anos. Na África do Sul e no Zimbábue, por exemplo, as estatísticas das Nações Unidas indicam que a taxa de mortalidade na população até 5 anos é de 67/1.000 nascidos vivos e de 74/1.000, respectivamente. As informações sobre o Brasil estão entre os Indicadores Sociais Mínimos, uma coletânea feita pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), disponível na página do órgão na Internet (www.ibge.gov.br/estat.htm). Os dados se referem a 1996. Outro estudo, realizado pela pesquisadora Estela Garcia da Cunha, também aponta que as desigualdades raciais entre crianças estão aumentando no país desde 1980 (leia texto nesta página).

População branca
A desigualdade entre as chances de sobrevivência das crianças no Brasil não se deve a uma situação excepcionalmente boa da população infantil branca. Ao contrário.
As crianças brancas brasileiras ainda estão expostas a um risco de morte superior ao de outras nascidas em países em pior situação social e econômica do que o Brasil, como Paraguai (34/1.000) e El Salvador (40/1.000).
As chances ainda menores de sobrevivência das crianças negras e pardas do país são consequência da segregação socioeconômica a que são submetidas suas famílias.
Isso ocorre em todo o território nacional, em maior ou menor proporção, dependendo da região. Mas em todas elas a população infantil negra e parda corre mais risco de morrer que a branca.
Mesmo no Sul, onde as crianças segregadas encontram mais chances de sobrevivência, sua taxa de mortalidade ainda é 37% superior à das crianças brancas: 48/1.000 contra 35/1.000.
No Sudeste, região economicamente mais desenvolvida do país, a discrepância chega ao seu ponto máximo: a mortalidade entre crianças negras e pardas é 71% maior do que a verificada entre as brancas (53/1.000 e 31/1.000, respectivamente).


Nordeste
O oposto ocorre no Nordeste, a região mais pobre. Ali, a diferença de mortalidade é de 23%. Mas não há razão para comemorar.
É nos Estados nordestinos que tanto as crianças brancas (83/1.000) quanto as negras e pardas (102/1.000) correm mais risco.
Para essas, tal taxa de mortalidade significa que, de cada 10 nascidas vivas, só 9 chegarão aos 5 anos.
Para o autor dessa parte do estudo do IBGE, o demógrafo Celso Simões, as diferenças regionais se explicam pelos diferentes graus de acesso das populações das 27 unidades da Federação a saneamento básico, vacinação e cuidados básicos de saúde, como o exame pré-natal.
Já os diferenciais entre brancos, negros e pardos se explicam de outro modo.
"A pobreza perpassa as questões social e racial, mas mesmo entre os pobres os negros têm uma taxa de mortalidade maior. É que eles acumulam o peso de duas segregações, a de cor e a de renda", afirma Simões.

Mortalidade
Problemas complexos como esses terão de ser enfrentados para o país continuar diminuindo sua taxa de mortalidade infantil.
De cada mil nascidos vivos no Brasil, 37 morrem antes de completar 1 ano de idade. Esse número, embora tenha caído muito desde 1960 (quando era de 118), ainda continua alto.
Mesmo as crianças brancas do Sudeste, que se beneficiam da menor taxa de mortalidade infantil do país (25/1.000), ainda enfrentam um risco de morrer cinco vezes maior do que as crianças suecas.
"A redução (dessa taxa) é lenta porque há uma resistência estrutural", diz Simões.
Nos lugares mais desenvolvidos do país, estender a rede de esgoto ou aumentar a cobertura de vacinação não são mais suficientes para reduzir a mortalidade infantil.
Nesse ponto, o problema deixa de ser exclusivamente de saúde pública e passa para o campo da justiça social.
"A concentração de renda é um entrave para que haja ganhos maiores", sintetiza o demógrafo do IBGE.



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