São Paulo, segunda-feira, 17 de janeiro de 2005

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CRIMES INVISÍVEIS

Representante do governo diz que, em certos casos, a polícia não tem condições de concluir se houve homícidio ou não

Secretaria nega falhas em registros de BOs

DA REPORTAGEM LOCAL

O secretário da Segurança Pública de São Paulo, Saulo de Castro Abreu Filho, não aceitou o pedido de entrevista da Folha para falar sobre o assunto. Em seu lugar, o secretário-adjunto, Marcelo Martins de Oliveira, afirmou que os 14 casos apontados pela reportagem foram registrados corretamente. Segundo ele, qualquer insinuação de que exista uma orientação para maquiar boletins de ocorrência para baixar estatísticas é, no mínimo, uma injustiça. "Seria muita ingenuidade da nossa parte achar que todos são passíveis de serem enganados."
Ele discordou da opinião de especialistas e da Ouvidoria da Polícia de que os boletins continham indícios suficientes para registrar os casos como homicídio doloso.
Segundo ele, as circunstâncias encontradas pelos policiais não permitiam essa classificação. "Existem circunstâncias que não permitem à autoridade [policial], naquele instante, nominar se foi homicídio ou não. Se o sujeito foi envenenado ou outro tipo de morte", disse.
"Afirmar, por conta desses 14 exemplos, que há uma indução, uma maquiagem dos dados, é, no mínimo, uma injustiça. Ninguém está querendo demonstrar que a polícia é melhor do que ela é", afirmou o secretário-adjunto.
Oliveira disse que a queda dos homicídios dolosos é um fato admitido por várias esferas de governo. "É fato: há uma queda nos homicídios. Isso é afirmado pelo secretário [Saulo de Castro Abreu Filho], passando pelo ministro Márcio Thomaz Bastos e indo até a ex-prefeita Marta Suplicy."
Ele admitiu que possa ter havido "equívocos" em relação ao registro de boletins, apesar de não reconhecer falhas nos 14 casos analisados pelos especialistas. "Pode ter acontecido algum equívoco, algum engano no meio do caminho, como acontecem equívocos no governo federal e no governo municipal", disse.
Da pesquisa por amostragem feita pelo centro de controle de qualidade de boletins da secretaria -10% dos boletins dos 42 municípios que têm Infocrim (base de dados informatizada de ocorrências)-, cerca de 20% apresentam problemas no preenchimento, segundo o coordenador da CAP (Coordenadoria de Análise e Planejamento), Túlio Kahn.
De acordo com ele, o erro no preenchimento da natureza da ocorrência é um dos principais problemas encontrados em relação aos boletins de todos os crimes. Homicídios, segundo Kahn, representam apenas uma pequena parcela desses casos. Ele também afirmou que, mesmo com a soma dos casos de homicídios, encontro de cadáver e morte a esclarecer, a tendência de queda permanece.
Segundo o secretário-adjunto, nos casos avaliados, as condições dos cadáveres não permitiam que o delegado chegasse a uma conclusão. Ele afirma que são necessários indícios mais fortes do que continham os 14 boletins para se classificar homicídios dolosos. "Tem algum caso em que a testemunha disse que viu [o crime] e falou que foi o Zé da Silva que deu o tiro, e que declarou isso, e o delegado colocou morte a esclarecer? Aí a coisa é deliberada."
Segundo a secretaria, entidades desconhecem o sistema de controle de qualidade da pasta e não procuram se informar. A secretaria afirma que os dados são publicados trimestralmente, como prevê lei estadual, o que demostraria a transparência das estatísticas.
Em um ponto, porém, há opiniões divergentes entre os representantes da secretaria. Dos 14 casos apontados, em quatro as vítimas morreram no hospital e a agressão já havia sido registrada como tentativa de homicídio. Mas, quando familiares ou funcionários do hospital foram registrar a morte da vítima no distrito, a natureza escolhida foi morte a esclarecer, apesar de se saber que já havia antecedente de agressão.
Para Túlio Kahn, o registro deveria ser de homicídio doloso. "O que teria de esclarecer é só autoria. Mas a morte já se sabe que é um homicídio. Então, se entrou como tentativa de homicídio, o primeiro [registro] já tinha algum indício", disse. A assessoria da secretaria afirmou que o registro é de morte a esclarecer porque, apesar do boletim de tentativa de homicídio, a vítima pode ter morrido de infecção hospitalar.
Em nota, a secretaria também afirmou que o registro usado para a estatística é o de tentativa de homicídio porque "a estatística é feita com base no boletim de ocorrência, que registra o momento do fato e não a morte posterior".


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