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CRIMES INVISÍVEIS
Representante do governo diz que, em certos casos, a polícia não tem condições de concluir se houve homícidio ou não
Secretaria nega falhas em registros de BOs
DA REPORTAGEM LOCAL
O secretário da Segurança Pública de São Paulo, Saulo de Castro Abreu Filho, não aceitou o pedido de entrevista da Folha para
falar sobre o assunto. Em seu lugar, o secretário-adjunto, Marcelo
Martins de Oliveira, afirmou que
os 14 casos apontados pela reportagem foram registrados corretamente. Segundo ele, qualquer insinuação de que exista uma orientação para maquiar boletins de
ocorrência para baixar estatísticas
é, no mínimo, uma injustiça. "Seria muita ingenuidade da nossa
parte achar que todos são passíveis de serem enganados."
Ele discordou da opinião de especialistas e da Ouvidoria da Polícia de que os boletins continham
indícios suficientes para registrar
os casos como homicídio doloso.
Segundo ele, as circunstâncias
encontradas pelos policiais não
permitiam essa classificação.
"Existem circunstâncias que não
permitem à autoridade [policial],
naquele instante, nominar se foi
homicídio ou não. Se o sujeito foi
envenenado ou outro tipo de
morte", disse.
"Afirmar, por conta desses 14
exemplos, que há uma indução,
uma maquiagem dos dados, é, no
mínimo, uma injustiça. Ninguém
está querendo demonstrar que a
polícia é melhor do que ela é",
afirmou o secretário-adjunto.
Oliveira disse que a queda dos
homicídios dolosos é um fato admitido por várias esferas de governo. "É fato: há uma queda nos
homicídios. Isso é afirmado pelo
secretário [Saulo de Castro Abreu
Filho], passando pelo ministro
Márcio Thomaz Bastos e indo até
a ex-prefeita Marta Suplicy."
Ele admitiu que possa ter havido "equívocos" em relação ao registro de boletins, apesar de não
reconhecer falhas nos 14 casos
analisados pelos especialistas.
"Pode ter acontecido algum equívoco, algum engano no meio do
caminho, como acontecem equívocos no governo federal e no governo municipal", disse.
Da pesquisa por amostragem
feita pelo centro de controle de
qualidade de boletins da secretaria -10% dos boletins dos 42 municípios que têm Infocrim (base
de dados informatizada de ocorrências)-, cerca de 20% apresentam problemas no preenchimento, segundo o coordenador da
CAP (Coordenadoria de Análise e
Planejamento), Túlio Kahn.
De acordo com ele, o erro no
preenchimento da natureza da
ocorrência é um dos principais
problemas encontrados em relação aos boletins de todos os crimes. Homicídios, segundo Kahn,
representam apenas uma pequena parcela desses casos. Ele também afirmou que, mesmo com a
soma dos casos de homicídios,
encontro de cadáver e morte a esclarecer, a tendência de queda
permanece.
Segundo o secretário-adjunto,
nos casos avaliados, as condições
dos cadáveres não permitiam que
o delegado chegasse a uma conclusão. Ele afirma que são necessários indícios mais fortes do que
continham os 14 boletins para se
classificar homicídios dolosos.
"Tem algum caso em que a testemunha disse que viu [o crime] e
falou que foi o Zé da Silva que deu
o tiro, e que declarou isso, e o delegado colocou morte a esclarecer? Aí a coisa é deliberada."
Segundo a secretaria, entidades
desconhecem o sistema de controle de qualidade da pasta e não
procuram se informar. A secretaria afirma que os dados são publicados trimestralmente, como prevê lei estadual, o que demostraria
a transparência das estatísticas.
Em um ponto, porém, há opiniões divergentes entre os representantes da secretaria. Dos 14 casos apontados, em quatro as vítimas morreram no hospital e a
agressão já havia sido registrada
como tentativa de homicídio.
Mas, quando familiares ou funcionários do hospital foram registrar a morte da vítima no distrito,
a natureza escolhida foi morte a
esclarecer, apesar de se saber que
já havia antecedente de agressão.
Para Túlio Kahn, o registro deveria ser de homicídio doloso. "O
que teria de esclarecer é só autoria. Mas a morte já se sabe que é
um homicídio. Então, se entrou
como tentativa de homicídio, o
primeiro [registro] já tinha algum
indício", disse. A assessoria da secretaria afirmou que o registro é
de morte a esclarecer porque,
apesar do boletim de tentativa de
homicídio, a vítima pode ter morrido de infecção hospitalar.
Em nota, a secretaria também
afirmou que o registro usado para
a estatística é o de tentativa de homicídio porque "a estatística é feita com base no boletim de ocorrência, que registra o momento
do fato e não a morte posterior".
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