São Paulo, segunda-feira, 17 de janeiro de 2005

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VERÃO

Praia isolada e de difícil acesso recebe 200 carros por dia na alta temporada, segundo a direção de parque estadual

Ilhabela quer restringir visitas a Castelhanos

JOSÉ ERNESTO CREDENDIO
ENVIADO ESPECIAL A ILHABELA

Vendedores ambulantes, guarda-sóis com propaganda de cartões de crédito, veículos na areia e até um restaurante que já figura em um guia de turismo, comuns no costa brasileira, revelam: os 22 quilômetros de estrada precária que separam Castelhanos do centro em Ilhabela (SP) não impediram que a praia de mais difícil acesso por terra no litoral norte paulista perdesse o charme do isolamento.
O único bar ganhou sete concorrentes, três restaurantes disputam os turistas -a maioria, endinheirados com veículos off-road e tração nas quatro rodas, quase obrigatória para vencer a estrada, que corta a serra, é perigosa e cheia de curvas; ainda é preciso cruzar um rio.
Quando a guarita da entrada do Parque Estadual de Ilhabela começou a contar os veículos que iam para lá, uma surpresa: são cerca de 200 por dia na temporada, levando uma média de mil pessoas a Castelhanos, que não tem energia elétrica, água tratada, esgoto nem banheiros públicos.
É uma faixa de areia com cerca de 1.500 metros de águas claras livres de poluição cercada por uma barreira de mata atlântica -não há sinal de civilização por ali-, a famosa cachoeira do Gato e sem criminalidade.
Mas há uma desproporção entre as condições da praia e o salto do público, diz Marilia Brito Rodrigues Moraes, que dirige o parque. Em fevereiro, o conselho que gere o parque vai colocar em consulta pública a proposta de criar cotas diárias de acesso a Castelhanos pela estrada, restringindo o número de turistas. Seria inédito no litoral norte paulista.
""Sabemos que é polêmico, mas a visitação está além da capacidade de Castelhanos, que pode ser descaracterizada", diz.
Para implementar a proposta, que seria incluída em um pacote de ações, o Parque Estadual de Ilhabela conta com financiamento do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), que vai bancar planos para seis unidades de conservação no país.

Público novo
As atrações de Castelhanos conquistaram a família Coser -o casal Claudio, 47, e Ana, 41, e a filha Gabriela, 19-, que conhece quase o país todo. ""Estivemos aqui há 12 ou 13 anos. Mudou tudo, há muito mais gente", diz o empresário paulistano Claudio. ""Tem um charme muito especial", avalia Ana, que faz uma crítica velada ao excesso de gente na praia. ""Não havia esse pessoal."
Outro casal, o comerciante Carlos Eduardo Amaral Gurgel, 40, e a pedagoga Mara Sanvidotti, 41, donos de uma pick-up Land Rover, pela primeira vez na praia, se encaixa entre os que foram para lá em busca de isolamento. ""Aqui é totalmente calmo, tem esse contato com a mata", diz Gurgel.
A superpopulação do lado ""civilizado" da ilha e a poluição das praias do canal de São Sebastião empurrou esse público para Castelhanos, resume o caiçara Ricardo Azevedo, 25, dono de restaurante na praia. O restaurante, diz, recebe até 200 pessoas por dia. ""Hoje está fraco, o pessoal vem mais no meio da semana", lamentava-se, no sábado.
É que o acesso a Ilhabela também ficou muito mais fácil e rápido. ""Eu cheguei a passar a noite inteira na fila da balsa [que liga o continente a Ilhabela]", lembra a administradora paulistana Elisabeth Frias, que está lá com filha Bluma Frias Varella, 21.
Os números da Dersa, que administra a balsa, mostram que o acesso à ilha subiu de 95.489 veículos, em dezembro de 1999, para 114.612 em 2003, com queda para 107.612 no ano passado, que teve o Réveillon em um sábado. O movimento deste mês já é 2,77% superior ao do ano passado.
Numa conta grosseira -há carros que vão e voltam-, esse salto entre 99 e 2003 representaria, na média de três ocupantes por veículo, cerca de 27 mil pessoas a mais, quase a população de Ilhabela, de cerca de 24 mil habitantes. Uma das causas é que, enquanto antes havia demora de algumas horas na fila, hoje o tempo é muito menor porque há seis balsas operando para carros. Além disso, há mais duas lanchas para passageiros, o que aumenta o número de visitantes.
""Acho que pode barrar pessoas, sim", opina Elisabeth Frias, que é dona de uma casa na ilha. E se acontecer com você: "Volto outro dia", responde.
Para o presidente da Associação dos Jipeiros, Fernando Rodrigues Mendes, criar cotas é bem-vindo, mas deve ser discutido. ""Tem gente que vai reclamar", prevê.

Risco
Mesmo para motoristas experientes e com veículos apropriados, a estrada é perigosa. A reportagem da Folha estava minutos atrás de uma picape, com dez passageiros, sendo duas crianças, que sofreu um acidente no sábado.
O veículo perdeu os freios na serra, voltou dez metros de ré e, por sorte e perícia do motorista, parou no barranco. Em outro local, poderia ter despencado dezenas de metros, provocando uma tragédia, já que o socorro médico demoraria pelo menos uma hora.
O jipeiro Davi, que conduziu a reportagem da Folha até a praia, conta outras histórias. ""O motorista de uma Land Rover foi dar passagem a um carro, mas a roda caiu em um buraco. O carro virou uma lata, e ele ficou tetraplégico."
No Carnaval do ano passado, as condições da estrada ilharam 37 veículos na praia. Apesar do risco, há carros de passeio na estrada.


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