São Paulo, quarta-feira, 17 de janeiro de 2007

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OPINIÃO

Por que me sinto desrespeitado

O governo diz que a responsabilidade era só das empreiteiras -e estas culpam a chuva. Esse tipo de esculhambação é visto em abundância na história paulistana

GILBERTO DIMENSTEIN
COLUNISTA DA FOLHA

O DESABAMENTO da estação do metrô de Pinheiros é parte de uma tragédia ainda maior -o sistemático desrespeito à cidade de São Paulo. Daí ser uma metáfora o acidente ter acontecido no mês do aniversário da cidade, quando deveríamos estar nos preparando para comemorar seus 453 anos.
Diante da tragédia, assistimos ao governo dizer que a responsabilidade era apenas das empreiteiras -e as empreiteiras culparem as chuvas. Esse tipo de esculhambação é visto em abundância por todos os lados e em todos os momentos da história paulistana, como se a cidade fosse só um dormitório. Primeiro, era dormitório para os bandeirantes que faziam do Tietê um caminho de busca de riqueza pelo interior do país.
Depois, como parada para o café que ia para Santos. E, agora, para uma boa parte de nossa elite, que vê a cidade como um lugar para ganhar dinheiro até chegar o final de semana e ir para o litoral; enquanto a praia não chega, vive-se em algo parecido a um castelo medieval ou nos shopping centers. Nessa lógica das elites da desconexão com a cidade, colocaram a sede da prefeitura em nosso melhor parque (após muito tempo voltou ao centro) e a sede do governo estadual num monstrengo arquitetônico, encravado na plutocracia.
Neste mês, deveria ser lançado o Fura-Fila, que gastou muito mais do que se imaginava e, mesmo assim, está pronto em parte -ontem, de novo, a abertura foi adiada. A gestão passada, na prefeitura, deixou uma galeria de obras inacabadas e feitas às pressas. Ainda hoje se fala do superfaturamento de viadutos e avenidas de vários prefeitos, destinados a facilitar a vida de quem usa automóvel.
Foram construídas centenas de clubes e parques municipais, a maioria abandonada ou com pouco uso. A maioria das escolas municipais tem três turnos diurnos, com tempo de aula inferior à média de permanência de um motel -mesmo assim ergueram-se escolas (os CEUs) para poucos. Vimos, sem reação, os carros acabarem com as calçadas, espremendo o pedestre; isso quando havia calçadas.
Na crônica da mistura de falta de visão de longo prazo com desrespeito, os políticos da cidade não quiseram, no início do século passado, construir o metrô, a exemplo do que se fazia em Nova York. Preferiam abrir espaço para carros, ajudando a deixar os operários mais longe do seu trabalho e a formar as periferias. Tiraram o bonde e deixaram os automóveis ocupar, sem restrição, seus trilhos.
Quando se começou a falar nas marginais, urbanistas e paisagistas alertaram que a deveríamos aproveitar e dali fazer um imenso parque. Além de gerar lazer e civilidade, não impermeabilizaria tanto o local e ajudaria a evitar enchente. Perdemos a chance de ter o maior parque urbano do mundo. Nesse ambiente, políticos fazerem de São Paulo trampolim para pretensões maiores é causa e conseqüência -assim como é a tragédia do metrô.

gdimen@uol.com.br


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