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Para morador, enchente foi um "castigo de Deus"
Religiosos dizem que cidade se perdeu
em micaretas e outras festas pagãs
Imagens de santos achadas
em pé reforçam as teorias
de punição divina; rumores
em Paraitinga citam
"premonição" de padre
ROGÉRIO PAGNAN
ENVIADO ESPECIAL A SÃO LUIZ DO PARAITINGA
Os técnicos apontam entre as
razões para a catástrofe de São
Luiz do Paraitinga os altos índices pluviométricos, o sistema
de escoamento problemático e
a ocupação irregular do solo.
Para grande parte dos moradores, porém, há apenas um único
motivo para o que aconteceu:
um castigo de Deus.
Ao andar pelas ruas da católica Paraitinga, cidade de cerca
de 11 mil habitantes destruída
pela força das águas na virada
do ano, há sempre um morador
para explicar que Deus decidiu
punir a cidade porque ela teria
se transformado numa espécie
de Sodoma e Gomorra.
Assim como as cidades bíblicas perdidas no pecado e também destruídas por decisão divina, São Luiz do Paraitinga teria abandonado os ensinamentos de Deus e se perdido em festas mundanas. A queda da igreja matriz deixou, para eles, claro o recado. "Vai mais gente à
Festa do Saci do que à Festa do
Divino, que é a festa do padroeiro", diz a cozinheira Bruna Aparecida da Silva, 23. "É
um castigo. Deus tá vendo tudo
isso", emenda a colega de profissão, Benedita Arlete.
A Festa do Saci é uma espécie
de micareta realizada na cidade
no final de outubro. A grande
atração de Paraitinga é, porém,
seu Carnaval, que chega a reunir em suas apertadas ruas 60
mil pessoas por dia.
"Tem que fazer festa para
Deus, não para o outro lado. Saci é do outro lado, da esquerda,
não é não?", explica o agricultor
João Rangel dos Santos, 67, que
perdeu um filho em soterramento na noite da enchente.
"Isso é para as pessoas acordarem e voltarem a pensar em
Deus", diz a dona de casa Rita
de Cássia Cezar Ramalho, 45,
vizinha da família dos Santos,
no bairro Bom Retiro.
Para a aposentada Olga Pires
Fontes, 85, há também a ingratidão de parte dos moradores
da cidade com seus padres -assim como aconteceu com anjos
enviados a Sodoma. "Aqui tem
muita lágrima de padre. Isso
contribui", diz ela, também entre lágrimas. "Cada padre que
vem aqui sai sentido com alguma coisa. Conheço uns oito que
saíram chorando daqui feito
criança", afirmou ela.
O engenheiro Jairo Borriello,
participante do grupo de reconstrução da cidade e que
acredita na versão técnica para
o desastre, diz que coincidências reforçam a versão religiosa.
Uma delas é uma casa ter sido
destruída pelas águas e apenas
uma parede, a única com crucifixo pregado, ter resistido. "Que
as imagens de santo estão sendo encontradas de pé, isso é fato, e ajuda a aumentar esse sentimento", afirmou.
Por fim, ainda há o rumor,
ouvido pela Folha dezenas de
vezes, de uma "premonição": o
padre Osmar, de Lagoinha (cidade vizinha), teria previsto o
desastre, afirmado que as águas
chegariam à matriz e que não
haveria Carnaval neste ano.
Procurado, o padre falou
pouco. "Não gosto de reportagem. Não sei de nada. O povo
pôs palavras na minha boca."
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