|
Próximo Texto | Índice
MASSACRE DO CARANDIRU
Presidente do júri que condenou o coronel Ubiratan a 632 anos de prisão afirma que decisão é injustificável
Juíza diz que absolvição é uma vergonha
GILMAR PENTEADO
DA REPORTAGEM LOCAL
A juíza Maria Cristina Cotrofe
Biasi, 50, que presidiu em 2001 o
júri que condenou o coronel da
reserva Ubiratan Guimarães a 632
anos pelo episódio chamado massacre do Carandiru, afirmou ontem que a absolvição do oficial pelo Tribunal de Justiça de São Paulo foi "política" e "injustificável".
Segundo ela, os 20 desembargadores que votaram pela inocência
do coronel subestimaram a inteligência dos jurados.
"Os jurados responderam, por
quatro a três, que o réu agiu com
excesso doloso. Não há que falar
em contradição ou "erro da juíza",
para justificar uma absolvição de
cunho político ou para justificar o
injustificável", afirmou ela. "É difícil para um magistrado que tem
ideal de justiça constatar o curso
das águas de um rio...do rio da
justiça", desabafou.
Maria Cristina, titular do 2º Tribunal do Júri, conversou, por e-mail e por telefone, com a Folha
ontem da França, onde passa férias. "O julgamento dos desembargadores foi esdrúxulo, uma
vergonha. Envergonhou o Poder
Judiciário. Fiquei perplexa."
O trabalho da juíza na condução
dos jurados em 2001 foi questionado pelos desembargadores, que
absolveram o coronel Ubiratan
anteontem, em uma sessão de
cinco horas. Segundo o desembargador Walter de Almeida Guilherme, cuja posição foi seguida
por outros 19 integrantes do Órgão Especial do TJ, houve contradição na condução dos quesitos
votados pelos jurados.
Ele afirma que os jurados aceitaram a tese de estrito cumprimento do dever e, mesmo assim, a juíza continuou a votação com o
item que avaliava se houve excesso doloso, argumento também
aceito pela maioria. Segundo o
desembargador, o primeiro item
excluía o segundo.
Para a juíza, essa argumentação
é ilegal. "Apesar da complexidade
do processo, 20 desembargadores
inovaram no ordenamento jurídico brasileiro, em apenas cinco
horas", disse. De acordo com ela,
juíza há 18 anos, os desembargadores ignoraram o parágrafo único do artigo 23 do Código Penal
Brasileiro. O texto diz: "O agente,
em qualquer das hipóteses desse
artigo [o que inclui o estrito cumprimento do dever], responderá
pelo excesso doloso ou culposo".
"Os jurados queriam a condenação do réu. Agora, se essa não
era a vontade da maioria da população, é outro problema", afirmou. "[Os desembargadores]
anularam só aquilo que, para eles,
seria contra a intenção dos jurados. É para rir." Segundo ela, os
jurados votaram conscientemente. "Pela reação dos jurados após
o fim do julgamento, eles concordaram com a sentença. O que eles
quiseram dizer era que foi lícito o
comandante ter entrado na prisão, mas houve excesso na ação."
Maria Cristina salientou que os
desembargadores que mais analisaram o processo -o relator e o
revisor - votaram pela manutenção do júri. "O desembargador
Walter Guilherme disse que o julgamento pelo júri foi político. Julgamento político foi o dele. E por
que não anularam o júri e fizeram
outro julgamento? Foi o caminho
mais curto, sem precisar estudar o
processo."
O Ministério Público, que vai
recorrer ao STJ (Superior Tribunal de Justiça), também afirma
que o júri foi realizado corretamente. "[Os desembargadores]
rasgaram o Código Penal. Ou o
júri vale como um todo ou não vale", afirmou o promotor Felipe
Locke Cavalcanti, assessor da
Procuradoria Geral de Justiça.
"Seis dos sete jurados também
consideraram que uma testemunha de defesa prestou falso testemunho. Eles se posicionaram assim se não quisessem condená-lo?", questionou o promotor Norberto Joia, que atuou no júri.
Próximo Texto: Frase Índice
|