São Paulo, sexta-feira, 17 de fevereiro de 2006

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MASSACRE DO CARANDIRU

Presidente do júri que condenou o coronel Ubiratan a 632 anos de prisão afirma que decisão é injustificável

Juíza diz que absolvição é uma vergonha

GILMAR PENTEADO
DA REPORTAGEM LOCAL

A juíza Maria Cristina Cotrofe Biasi, 50, que presidiu em 2001 o júri que condenou o coronel da reserva Ubiratan Guimarães a 632 anos pelo episódio chamado massacre do Carandiru, afirmou ontem que a absolvição do oficial pelo Tribunal de Justiça de São Paulo foi "política" e "injustificável". Segundo ela, os 20 desembargadores que votaram pela inocência do coronel subestimaram a inteligência dos jurados.
"Os jurados responderam, por quatro a três, que o réu agiu com excesso doloso. Não há que falar em contradição ou "erro da juíza", para justificar uma absolvição de cunho político ou para justificar o injustificável", afirmou ela. "É difícil para um magistrado que tem ideal de justiça constatar o curso das águas de um rio...do rio da justiça", desabafou.
Maria Cristina, titular do 2º Tribunal do Júri, conversou, por e-mail e por telefone, com a Folha ontem da França, onde passa férias. "O julgamento dos desembargadores foi esdrúxulo, uma vergonha. Envergonhou o Poder Judiciário. Fiquei perplexa."
O trabalho da juíza na condução dos jurados em 2001 foi questionado pelos desembargadores, que absolveram o coronel Ubiratan anteontem, em uma sessão de cinco horas. Segundo o desembargador Walter de Almeida Guilherme, cuja posição foi seguida por outros 19 integrantes do Órgão Especial do TJ, houve contradição na condução dos quesitos votados pelos jurados.
Ele afirma que os jurados aceitaram a tese de estrito cumprimento do dever e, mesmo assim, a juíza continuou a votação com o item que avaliava se houve excesso doloso, argumento também aceito pela maioria. Segundo o desembargador, o primeiro item excluía o segundo.
Para a juíza, essa argumentação é ilegal. "Apesar da complexidade do processo, 20 desembargadores inovaram no ordenamento jurídico brasileiro, em apenas cinco horas", disse. De acordo com ela, juíza há 18 anos, os desembargadores ignoraram o parágrafo único do artigo 23 do Código Penal Brasileiro. O texto diz: "O agente, em qualquer das hipóteses desse artigo [o que inclui o estrito cumprimento do dever], responderá pelo excesso doloso ou culposo".
"Os jurados queriam a condenação do réu. Agora, se essa não era a vontade da maioria da população, é outro problema", afirmou. "[Os desembargadores] anularam só aquilo que, para eles, seria contra a intenção dos jurados. É para rir." Segundo ela, os jurados votaram conscientemente. "Pela reação dos jurados após o fim do julgamento, eles concordaram com a sentença. O que eles quiseram dizer era que foi lícito o comandante ter entrado na prisão, mas houve excesso na ação."
Maria Cristina salientou que os desembargadores que mais analisaram o processo -o relator e o revisor - votaram pela manutenção do júri. "O desembargador Walter Guilherme disse que o julgamento pelo júri foi político. Julgamento político foi o dele. E por que não anularam o júri e fizeram outro julgamento? Foi o caminho mais curto, sem precisar estudar o processo."
O Ministério Público, que vai recorrer ao STJ (Superior Tribunal de Justiça), também afirma que o júri foi realizado corretamente. "[Os desembargadores] rasgaram o Código Penal. Ou o júri vale como um todo ou não vale", afirmou o promotor Felipe Locke Cavalcanti, assessor da Procuradoria Geral de Justiça. "Seis dos sete jurados também consideraram que uma testemunha de defesa prestou falso testemunho. Eles se posicionaram assim se não quisessem condená-lo?", questionou o promotor Norberto Joia, que atuou no júri.


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