Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
DROGAS
Especialista diz que o governo brasileiro deveria usar a política econômica para reduzir consumo e fortalecer a saúde
Para OMS, preço do cigarro é "acintoso"
MARIO CESAR CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL
O preço do cigarro no Brasil é
"acintoso". A definição é da brasileira que atingiu o mais alto posto
na luta contra o cigarro -Vera
Luiza da Costa e Silva, 50, gerente
do programa de combate do tabagismo da OMS (Organização
Mundial da Saúde), em Genebra.
Pesquisa sobre 88 países, divulgada na última semana, confirma
o acinte: o cigarro brasileiro é o
sexto mais barato do mundo. São Paulo é uma
das dez cidades no mundo, numa
lista de 56, em que é mais barato
comprar um maço de Marlboro
do que um quilo de pão.
Para Vera Luiza, pneumologista
com doutorado em saúde pública, o governo brasileiro precisa
usar a política econômica, aumentando impostos sobre o cigarro, em benefício da saúde.
De passagem por São Paulo, onde participou de um seminário,
ela criticou a visão que associa aumento de impostos ao contrabando. Esse argumento, diz, faz sentido para a indústria, que quer vender cigarros, mas não para aqueles que devem zelar pela saúde.
Folha - A OMS defende que o aumento do preço do cigarro é a medida mais eficaz para reduzir o consumo. Por que o governo brasileiro
não segue essa recomendação?
Vera Luiza da Costa e Silva - Acredito que o governo ainda não
tenha se definido politicamente
em relação à política de preços para reduzir o consumo dos cigarros. Há o temor de que o aumento
vá estimular o contrabando.
Folha - E não estimula?
Vera - Ao contrário do que a indústria coloca, não há prova, em
nenhum país do mundo, de que
uma política de preços consiga
desestimular ou aumentar o contrabando. Estudos do Banco
Mundial mostram que até os países em que há contrabando conseguem reduzir o consumo quando aumentam preços. Controle
de contrabando depende do combate à criminalidade. O Brasil precisa aumentar o preço para diminuir o acesso ao cigarro.
Folha - Aumentar para quanto?
Vera - É difícil dizer porque o
preço do cigarro brasileiro é acintoso. Porque é matemático.
Quando diminui o preço, aumenta o consumo. Aumentou o consumo, aumenta o adoecimento.
Folha - Não falta coragem para
adotar uma medida antipopular?
Vera Luiza - Acho que falta um
amadurecimento político no sentido de a política econômica ser
usada em favor da saúde.
Folha - Que avaliação a sra. faz
das medidas antifumo adotadas
pelo ex-ministro José Serra?
Vera - O ministro tomou as melhores medidas que poderia ter
tomado na área da saúde. O Brasil
tem hoje uma legislação de ponta
no controle do tabagismo. A colocação do tabaco na Agência Nacional de Vigilância Sanitária foi
extremamente importante.
Folha - Por quê?
Vera - Porque criou uma instância que pode regulamentar a indústria. Antes, não havia nenhum
setor, nenhum ministério que regulamentasse a indústria.
Qualquer coisa era por acordo
voluntário. A agência vai colocar
a indústria para atender os direitos do consumidor, vai fazê-la diminuir teores de substâncias tóxicas e, num futuro, começar a controlar aditivos, pesticidas e outras
substâncias que vão no cigarro.
Folha - A OMS tem alguma avaliação da propaganda de choque?
Vera - A experiência de outros
países mostra que esse tipo de publicidade funciona. Hoje, 30% das
pessoas que tentam parar de fumar no Canadá o fazem por causa
da publicidade chocante nos maços. A Austrália também teve
uma publicidade extremamente
chocante, mostrando os vasos
sanguíneos, cegueira por causa de
cigarro, e funcionou.
Folha - Não seria equivocado chocar o fumante e não oferecer tratamento, como se faz no Brasil?
Vera - A OMS recomenda que o
fumante seja visto como um
doente a ser tratado. O Brasil tem
um passo muito importante a dar,
no sentido de treinar profissionais da saúde para aconselhar e
até, eventualmente, usar medicação para tratar o fumante.
Folha - Há quem diga que o tratamento é inviável por ser caro.
Vera - Nos países em desenvolvimento, como o Brasil, você não
pode ter a pretensão de fornecer
tratamento na rede pública pensando em remédio para deixar de
fumar. Tem de treinar os profissionais da saúde para fazer aconselhamento. No caso de fumantes
que se tratam com medicamentos, você tem um sucesso de 30%.
Com aconselhamento, você pode
conseguir até 20%. Ou seja, se você conseguir 10% numa população só com medidas mais simplificadas, está dando um passo
imenso. No Brasil, seriam 4 milhões de fumantes parando de
gastar um tostão com remédio.
Folha - No Brasil, a classe média
recorre a tratamentos com antidepressivo e substitutos da nicotina.
São os melhores métodos?
Vera - Parar de fumar é uma decisão complexa. O indivíduo tem
de querer parar, e depende de suporte da sociedade. Droga deve
ser usada para quem fez uma tentativa e não conseguiu.
Folha - Por que o consumo de cigarro nos países ricos cresce só entre adolescentes e mulheres?
Vera - O cigarro ainda tem a
imagem de libertário, de contestador. Ele se insere como uma cunha separando a vida infantil da
vida adulta. As imagens de bem-estar, de sucesso e de sexualidade
exploradas pela publicidade são
pistas do sucesso entre adolescentes. A sociedade estimula isso. Os
médicos vão ter de buscar ajuda
de sociólogos e de antropólogos,
pessoas que têm uma outra percepção da sociedade, para entender esse fenômeno.
Folha - Pela primeira vez na história, está havendo uma redução
no consumo de cigarro em Estados
americanos, como a Califórnia, e
em países nórdicos. Qual é a consequência dessa queda?
Vera - Cai rapidamente a mortalidade por infarto e doenças coronarianas. Já a mortalidade por
câncer de pulmão demora de 20 a
25 anos para ter uma queda.
Folha - Existe algum país-modelo
no combate ao cigarro?
Vera - A Finlândia. Há 25 anos,
uma região iniciou um programa
de redução de consumo de tabaco, de gorduras saturadas, de aumento de atividade física e de
consumo de alimentos saudáveis.
Ocorreu uma queda drástica de
mortes por infarto, por acidentes
vasculares cerebrais e por câncer
de pulmão.
Eles foram muito criativos: deram incentivos fiscais para quem
criasse porcos com menos gordura, para quem fizesse margarina
com gosto de manteiga. É um
programa em que a economia entra em peso. O Brasil tem de começar a pensar assim, eu acho.
Tem de decidir se vai investir em
cultura do tabaco ou de alimentos
saudáveis. Tem de haver uma discussão global de aonde o país
quer chegar. Não adianta só a área
da saúde levantar bandeiras.
Folha - Há alguma experiência similar no Terceiro Mundo?
Vera - A África do Sul teve uma
queda de consumo acentuada
com aumento de preços. A Tailândia fez a mesma coisa. É a saída
porque o cigarro consome boa
parte do orçamento da saúde.
Texto Anterior: Há 50 anos Próximo Texto: Em SP, são precisos 17 min de trabalho para manter vício Índice
|