São Paulo, segunda-feira, 17 de março de 2008

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Receita barra imposto maior para cigarro

Projeto de forte aumento no preço dos maços é defendido pelo Ministério da Saúde como forma de reduzir o consumo

No país, enquanto o Instituto Nacional de Câncer quer o maço a cerca de R$ 5, a Receita defende um valor bem menor -de R$ 1,74

MARIO CESAR CARVALHO
ENVIADO ESPECIAL A BRASÍLIA

O projeto do Ministério da Saúde de aumentar o preço do cigarro para reduzir o consumo bateu numa barreira. A Receita Federal não quer abrir mão de seu papel de criador da política tributária. A Receita acredita que um aumento forte de preços, da ordem de 100%, por exemplo, elevaria ainda mais o mercado ilícito de cigarros.
Há um abismo a separar os preços que a Receita e a área de saúde querem. Enquanto o Inca (Instituto Nacional de Câncer) quer o maço a R$ 4, R$ 5, a Receita defende um valor bem menor -R$ 1,74.
No ano passado, o Brasil consumiu cerca de 150 milhões de cigarros. Cerca de 40% desse volume não pagou impostos: 39 milhões foram cigarros contrabandeados e 20 milhões foram produzidos por empresas brasileiras que não pagam impostos, segundo a Receita.
Aumento de preços é a forma mais simples e eficaz de reduzir o consumo, segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde). Uma elevação de 10% nos preços provoca uma queda de 8% no consumo em países como o Brasil, segundo o órgão.
As doenças relacionadas ao fumo matam cerca de 200 mil pessoas por ano no Brasil, segundo o Ministério da Saúde. O número equivale a quatro vezes as vítimas de homicídio.
O preço de cigarro no Brasil é um dos mais baratos do mundo. O preço do Marlboro brasileiro em 2001 era o segundo mais barato do mundo num levantamento feito em 87 países e territórios pela Economist Intelligence Unit. Custava o equivalente a US$ 1,23. Só perdia para a Indonésia: US$ 1,08.
Até no Mercosul o preço do cigarro brasileiro está na rabeira da tabela, segundo estudo feito pelo economista Roberto Iglesias para o Banco Mundial. Só Paraguai e Bolívia têm preços mais baixos. Em 2005, um maço de uma marca popular no Brasil custava o equivalente a US$ 0,78. No Chile, valia US$ 1,42. No Paraguai e na Bolívia, custavam US$ 0,61 e US$ 0,33.
O preço baixo do cigarro é conseqüência da redução de impostos a partir de 2000, segundo Iglesias. A redução ocorreu no mesmo momento em que o então ministro da Saúde, José Serra, impunha restrições ao fumo no país. Em 1999, o IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) equivalia a 42,5% do preço do maço. Em 2007, representava de 20% a 25% desse valor.
A Receita reduziu o IPI do cigarro com o objetivo de combater o contrabando, que à época correspondia a 37% do mercado. Atualmente, o contrabando caiu para cerca de 25%, mas a ilegalidade é até maior do que em 1999. Cerca de 18% dos cigarros produzidos no país não pagam impostos, diz a Receita.

Liminares
As fábricas funcionam com liminares da Justiça. A soma do contrabando e dos que são acusados de sonegação atinge 40% -três pontos percentuais acima do índice que a Receita pretendia abaixar com a redução dos impostos.
"O Brasil foi o único país do mundo que conheço a baixar impostos de cigarros e a redução não serviu para combater a ilegalidade", diz Iglesias, professor de economia da PUC-RJ.
Estudo feito pela Fipecafi, fundação formada por professores da USP de contabilidade, estima que o país perdeu R$ 18 bilhões com a redução do IPI entre 2000 e 2007. Nesse período, segundo Iglesias, o imposto foi corrigido sempre abaixo da inflação.
A própria Receita defende mudanças no atual sistema de tributação. O principal problema hoje na visão da Receita são as fábricas que não recolhem impostos. São as que mais crescem. Elas respondem por 18% da produção nacional.
São essas empresas que produzem marcas que são vendidas a R$ 0,68 -"uma confissão de sonegação", diz Marcelo Fisch, coordenador da Receita.

Saúde
Esse valor é visto com ceticismo na área da Saúde. "R$ 1,74 não faz nem cócegas no bolso do consumidor. É um preço muito baixo num cenário econômico em que o consumo está aumentando. É preciso um preço que desestimule o consumo de cigarro", diz Tânia Cavalcanti, chefe da divisão de controle de tabagismo do Inca.
Paula Johns, da ACT (Aliança de Controle ao Tabagismo), diz que o argumento da Receita de que o aumento de preço estimula o contrabando é um mito. "Em nenhum país foi comprovada essa relação."


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