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"Quem pode fazer não faz", diz moradora
DA REPORTAGEM LOCAL
A promessa já está certa: quando a restauração da Vila Maria
Zélia sair, o gerente comercial
Edelcio Pereira Pinto, 56, o "seo"
Dedé, nascido, crescido e casado
ali, vai cortar o rabo-de-cavalo
que chama a atenção na cabeleira
grisalha. "Mas minha mulher me
disse que o cabelo ainda vai chegar ao chão", diz, brincando.
Por enquanto, o rabo-de-cavalo
tem pouco mais de dez centímetros. A julgar pela velocidade (ou
ausência) das ações públicas na
vila, no entanto, o vaticínio da
mulher pode se concretizar.
Enquanto o tempo consome as
estruturas erguidas no início do
século passado, a burocracia emperra os projetos de revitalização.
"Quem pode fazer não faz", lamenta a aposentada Santina Marcacci, 93, moradora mais velha da
vila, que em maio completa 89
anos. "Não me conformo."
A Vila Maria Zélia que Dedé e
Santina mantêm na memória rui
aos poucos. Original mesmo, apenas o ar bucólico, com aposentados sentados nos bancos da praça.
Entre os bens condenados pela
ação do tempo está, por exemplo,
a escola dos meninos, fechada em
1992, quando já era colégio técnico. O telefone ainda está lá, numa
placa amarelada: 93-1938.
Portas abertas, o resultado de
anos de degradação, vandalismo e
abandono: o piso superior, de
madeira, está comprometido, a
pintura está desgastada, árvores
crescem nas salas, e as janelas, de
pinho-de-riga, se decompõem.
Ali, empoeirados, resistem só as
escadas em mármore carrara e o
piso de ladrilho hidráulico, empoeirados. Além de 16 carteiras
originais de pinho-de-riga com
espaço para guardar tinteiro, esparramadas na sala de biologia.
"É resistente, ó. Pode tocar para
ver", demonstra Dedé, que criou
uma página da vila na internet
(www.mariazeliaonline.com).
Perto dali, o prédio que serviu
de armazém, sorveteria, barbeiro,
fábrica de sapatos e sede do Clube
Atlético e Recreativo Maria Zélia,
ponto de encontro para jogos de
cartas, bailes e eventos como a festa de casamento do aposentado
Milton Nascimento, 70.
"Nem passo por lá. Quando
passo, nem olho. Dá muita tristeza." No local, escombros, pedaços
podres de madeira e restos enferrujados do que já foram, um dia,
máquinas para fabricar calçados.
Contraponto ao cenário sombrio, um armazém não parece
condenado: há dois anos, abriga o
grupo 19 de Teatro, que se apresenta aos fins de semana na vila.
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