São Paulo, segunda-feira, 17 de abril de 2006

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"Quem pode fazer não faz", diz moradora

DA REPORTAGEM LOCAL

A promessa já está certa: quando a restauração da Vila Maria Zélia sair, o gerente comercial Edelcio Pereira Pinto, 56, o "seo" Dedé, nascido, crescido e casado ali, vai cortar o rabo-de-cavalo que chama a atenção na cabeleira grisalha. "Mas minha mulher me disse que o cabelo ainda vai chegar ao chão", diz, brincando.
Por enquanto, o rabo-de-cavalo tem pouco mais de dez centímetros. A julgar pela velocidade (ou ausência) das ações públicas na vila, no entanto, o vaticínio da mulher pode se concretizar.
Enquanto o tempo consome as estruturas erguidas no início do século passado, a burocracia emperra os projetos de revitalização. "Quem pode fazer não faz", lamenta a aposentada Santina Marcacci, 93, moradora mais velha da vila, que em maio completa 89 anos. "Não me conformo."
A Vila Maria Zélia que Dedé e Santina mantêm na memória rui aos poucos. Original mesmo, apenas o ar bucólico, com aposentados sentados nos bancos da praça.
Entre os bens condenados pela ação do tempo está, por exemplo, a escola dos meninos, fechada em 1992, quando já era colégio técnico. O telefone ainda está lá, numa placa amarelada: 93-1938.
Portas abertas, o resultado de anos de degradação, vandalismo e abandono: o piso superior, de madeira, está comprometido, a pintura está desgastada, árvores crescem nas salas, e as janelas, de pinho-de-riga, se decompõem.
Ali, empoeirados, resistem só as escadas em mármore carrara e o piso de ladrilho hidráulico, empoeirados. Além de 16 carteiras originais de pinho-de-riga com espaço para guardar tinteiro, esparramadas na sala de biologia. "É resistente, ó. Pode tocar para ver", demonstra Dedé, que criou uma página da vila na internet (www.mariazeliaonline.com).
Perto dali, o prédio que serviu de armazém, sorveteria, barbeiro, fábrica de sapatos e sede do Clube Atlético e Recreativo Maria Zélia, ponto de encontro para jogos de cartas, bailes e eventos como a festa de casamento do aposentado Milton Nascimento, 70.
"Nem passo por lá. Quando passo, nem olho. Dá muita tristeza." No local, escombros, pedaços podres de madeira e restos enferrujados do que já foram, um dia, máquinas para fabricar calçados.
Contraponto ao cenário sombrio, um armazém não parece condenado: há dois anos, abriga o grupo 19 de Teatro, que se apresenta aos fins de semana na vila.


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