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Entrevista - Wellington Rodrigues
Controlador sem estímulo é risco à segurança aérea
Na avaliação do presidente da associação da categoria, o motim foi um erro que acabou levando os profissionais a um impasse e os deixou no "fundo do poço"
LEILA SUWWAN
ENVIADA ESPECIAL A ISTAMBUL
HERÓI PARA uns, traidor para outros, Wellington Rodrigues, presidente da
ABCTA (Associação Brasileira de Controladores de Tráfego Aéreo), avalia que
a rebelião que paralisou os aeroportos do país no dia
30 foi um "erro estratégico" porque deixou os controladores num impasse e no "fundo do poço".
O resultado são controladores desiludidos e desconcentrados, o que significa um risco à
segurança aérea. Apesar disso,
afirma que voar é seguro.
Líder dos controladores durante toda a crise aérea, Rodrigues revela que a categoria é
fracionada e sua capacidade de
"segurar" o grupo se esgotou.
Ele considera agora que o recuo do governo é reflexo da falta de confiança dos dois lados.
Rodrigues, 36, que já teve o
"sabre alado" (brasão da FAB)
tatuado (e hoje substituído por
um Batman), tem 15 anos de
experiência e é primeiro-sargento, atuando como instrutor
e supervisor. É alvo de investigação militar por conta da operação-padrão do fim do ano
passado e está sob investigação
no atual Inquérito Policial Militar sobre o motim do dia 30.
Ele falou à Folha após a
abertura da Conferência da
Ifatca (federação internacional
da categoria), em Istambul.
FOLHA - Por que a crise chegou a
esse ponto?
WELLINGTON RODRIGUES - Temos o
antes e o depois do acidente.
Antes, falava-se sempre que o
tráfego aéreo no país só iria
mudar depois de um acidente.
Depois do acidente, vimos que
muita coisa não ia mudar. Foi
um erro da Força Aérea negar
no começo que havia falhas de
comunicações, que havia falhas
de radar. O controlador ficou
desamparado.
FOLHA - E a gratificação, que é a
bandeira de muitos?
RODRIGUES - Não podemos ser
hipócritas e dizer que o salário
não é importante. Claro que é.
Mas não foi o primeiro objetivo. A questão salarial é para
conter a evasão.
FOLHA - A categoria é mais dispersa
do que se pensa?
RODRIGUES - Muito mais do que
se imagina. São grupos de pessoas, dez, cinco, que se falam. A
gente só sabe quando um conta.
Por estar segurando [radicais],
estava recebendo muita crítica.
Me chamaram de traidor.
FOLHA - A paralisação foi planejada
ou impensada?
RODRIGUES - Foi um desespero,
algo na linha de não temos mais
nada a perder.
FOLHA - O que ocorreu lá dentro?
RODRIGUES - As pessoas foram
chegando e se acumulando. Já
no meio do dia as pessoas estavam exaltadas. Eu peguei vários pelo braço e falava "não faça isso". O estopim mesmo foi
na reunião com o comandante
do Cindacta [coronel Aquino].
Ele de forma alguma foi mal-educado ou rude. No que ele
saiu, muitos já falaram: "ninguém sai". Eu fui conversar
com o comandante. Expliquei o
descontentamento e a forma
como estavam sendo tratados
na sala de controle.
FOLHA - E quando o ministro Paulo
Bernardo chegou?
RODRIGUES - Fui pego de surpresa. Estávamos aguardando a
chegada do procurador militar
para fazer os enquadramentos.
O ministro se reuniu conosco e
nós deu a voz. Foi aí que vi, os
controladores decidiram fazer
algo, mas não tinham encaminhamento, não sabiam como
fazer nem como sair da situação. Um controlador exaltado
começou a falar, estava metendo os pés pelas mãos. Chegou a
ser duro com o ministro. Nesse
momento pedi para todo mundo ficar quieto, pedi desculpas
ao ministro pela forma que o
controlador falou. Mas expliquei o motivo. Eu condeno a
grosseria e o radicalismo, mas
eu entendo. Não posso chamar
de completamente errado.
FOLHA - E o acordo?
RODRIGUES - Ele mesmo propôs,
disse que já tinha visto o manifesto, as 4 ou 5 reivindicações.
Ele disse que iria atendê-las.
FOLHA - E o recuo do governo?
RODRIGUES - Não sei se o governo ia manter a palavra. Eu não
sei. Hoje eu já não acredito.
FOLHA - A insurgência foi um erro?
RODRIGUES - Estratégica e politicamente, sim.
FOLHA - A FAB resumiu a crise a um
"problema de controlador".
RODRIGUES - O erro do controlador foi a impaciência e incredulidade, hoje eu começo a dar razão. Ficamos órfãos.
FOLHA - Como você gostaria de ver
a desmilitarização?
RODRIGUES - A palavra está errada. Fala-se muito em duplicação do sistema. O que está sendo pedido é manter a integração entre controle aéreo e defesa aérea, que o controle de vôo
civil seja feito por civis.
FOLHA - E agora? Você falou em impasse, em fundo do poço.
RODRIGUES - É o fundo do poço
porque o que podia ter acontecido de pior já aconteceu: uma
colisão e uma parada total. O
controlador não vê alternativas. O que a gente vê hoje é uma
enorme quantidade de controladores trabalhando sem concentração.
FOLHA - Isso não significa que é inseguro voar, mas há um risco à segurança?
RODRIGUES - É uma situação de
risco à segurança.
FOLHA - Explique.
RODRIGUES - O 1º item do manual do controlador diz que ele
deve estar física e psicologicamente habilitado para estar em
seu posto. E nada disso está
acontecendo. Minha preocupação é que se tiver um novo acidente agora, apaga a luz, fecha a
porta e vamos embora.
FOLHA - É uma possibilidade?
RODRIGUES - Todo dia.
FOLHA - Existem três fatores. Humano, equipamento e procedimentos. O humano está nessa situação.
E os equipamentos?
RODRIGUES - Vamos ser sinceros: há sim um grande esforço
por parte da Aeronáutica em
resolver. O problema é que acumulou. No Cindacta-1 as freqüências melhoraram muito.
FOLHA - E os procedimentos?
RODRIGUES - Chegou um pedido
do Decea [Departamento de
Controle de Espaço Aéreo] em
dezembro para que fossem feitos alertas e treinamentos específicos para situações que estavam envolvidas no acidente.
FOLHA - Foi encaminhado?
RODRIGUES - Na questão do software, ainda acontece a mudança automática dos níveis de vôo
[segundo o plano de vôo, não a
confirmação do controlador]. É
preciso um novo software.
FOLHA - Então o risco existe.
RODRIGUES - O que estava ruim
antes do acidente ficou pior depois do dia 30. Houve uma ruptura de fato. Eu declaro que é
seguro. Não gosto de fazer esse
tipo de alarme. Mas os componentes estão aí.
FOLHA - E a ameaça de baixa coletiva é real?
RODRIGUES - É real. Ouvi que há
um grupo em torno de 50.
NA INTERNET - Leia a íntegra da entrevista em
www.folha.com.br/071062
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