São Paulo, terça-feira, 17 de abril de 2007

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Entrevista - Wellington Rodrigues

Controlador sem estímulo é risco à segurança aérea

Na avaliação do presidente da associação da categoria, o motim foi um erro que acabou levando os profissionais a um impasse e os deixou no "fundo do poço"

LEILA SUWWAN
ENVIADA ESPECIAL A ISTAMBUL

HERÓI PARA uns, traidor para outros, Wellington Rodrigues, presidente da ABCTA (Associação Brasileira de Controladores de Tráfego Aéreo), avalia que a rebelião que paralisou os aeroportos do país no dia 30 foi um "erro estratégico" porque deixou os controladores num impasse e no "fundo do poço".
O resultado são controladores desiludidos e desconcentrados, o que significa um risco à segurança aérea. Apesar disso, afirma que voar é seguro. Líder dos controladores durante toda a crise aérea, Rodrigues revela que a categoria é fracionada e sua capacidade de "segurar" o grupo se esgotou. Ele considera agora que o recuo do governo é reflexo da falta de confiança dos dois lados. Rodrigues, 36, que já teve o "sabre alado" (brasão da FAB) tatuado (e hoje substituído por um Batman), tem 15 anos de experiência e é primeiro-sargento, atuando como instrutor e supervisor. É alvo de investigação militar por conta da operação-padrão do fim do ano passado e está sob investigação no atual Inquérito Policial Militar sobre o motim do dia 30. Ele falou à Folha após a abertura da Conferência da Ifatca (federação internacional da categoria), em Istambul.

 

FOLHA - Por que a crise chegou a esse ponto?
WELLINGTON RODRIGUES
- Temos o antes e o depois do acidente. Antes, falava-se sempre que o tráfego aéreo no país só iria mudar depois de um acidente. Depois do acidente, vimos que muita coisa não ia mudar. Foi um erro da Força Aérea negar no começo que havia falhas de comunicações, que havia falhas de radar. O controlador ficou desamparado.

FOLHA - E a gratificação, que é a bandeira de muitos?
RODRIGUES
- Não podemos ser hipócritas e dizer que o salário não é importante. Claro que é. Mas não foi o primeiro objetivo. A questão salarial é para conter a evasão.

FOLHA - A categoria é mais dispersa do que se pensa?
RODRIGUES
- Muito mais do que se imagina. São grupos de pessoas, dez, cinco, que se falam. A gente só sabe quando um conta. Por estar segurando [radicais], estava recebendo muita crítica. Me chamaram de traidor.

FOLHA - A paralisação foi planejada ou impensada?
RODRIGUES
- Foi um desespero, algo na linha de não temos mais nada a perder.

FOLHA - O que ocorreu lá dentro?
RODRIGUES
- As pessoas foram chegando e se acumulando. Já no meio do dia as pessoas estavam exaltadas. Eu peguei vários pelo braço e falava "não faça isso". O estopim mesmo foi na reunião com o comandante do Cindacta [coronel Aquino].
Ele de forma alguma foi mal-educado ou rude. No que ele saiu, muitos já falaram: "ninguém sai". Eu fui conversar com o comandante. Expliquei o descontentamento e a forma como estavam sendo tratados na sala de controle.

FOLHA - E quando o ministro Paulo Bernardo chegou?
RODRIGUES
- Fui pego de surpresa. Estávamos aguardando a chegada do procurador militar para fazer os enquadramentos. O ministro se reuniu conosco e nós deu a voz. Foi aí que vi, os controladores decidiram fazer algo, mas não tinham encaminhamento, não sabiam como fazer nem como sair da situação. Um controlador exaltado começou a falar, estava metendo os pés pelas mãos. Chegou a ser duro com o ministro. Nesse momento pedi para todo mundo ficar quieto, pedi desculpas ao ministro pela forma que o controlador falou. Mas expliquei o motivo. Eu condeno a grosseria e o radicalismo, mas eu entendo. Não posso chamar de completamente errado.

FOLHA - E o acordo?
RODRIGUES
- Ele mesmo propôs, disse que já tinha visto o manifesto, as 4 ou 5 reivindicações. Ele disse que iria atendê-las.

FOLHA - E o recuo do governo?
RODRIGUES
- Não sei se o governo ia manter a palavra. Eu não sei. Hoje eu já não acredito.

FOLHA - A insurgência foi um erro?
RODRIGUES
- Estratégica e politicamente, sim.

FOLHA - A FAB resumiu a crise a um "problema de controlador".
RODRIGUES
- O erro do controlador foi a impaciência e incredulidade, hoje eu começo a dar razão. Ficamos órfãos.

FOLHA - Como você gostaria de ver a desmilitarização?
RODRIGUES
- A palavra está errada. Fala-se muito em duplicação do sistema. O que está sendo pedido é manter a integração entre controle aéreo e defesa aérea, que o controle de vôo civil seja feito por civis.

FOLHA - E agora? Você falou em impasse, em fundo do poço.
RODRIGUES
- É o fundo do poço porque o que podia ter acontecido de pior já aconteceu: uma colisão e uma parada total. O controlador não vê alternativas. O que a gente vê hoje é uma enorme quantidade de controladores trabalhando sem concentração.

FOLHA - Isso não significa que é inseguro voar, mas há um risco à segurança?
RODRIGUES
- É uma situação de risco à segurança.

FOLHA - Explique.
RODRIGUES
- O 1º item do manual do controlador diz que ele deve estar física e psicologicamente habilitado para estar em seu posto. E nada disso está acontecendo. Minha preocupação é que se tiver um novo acidente agora, apaga a luz, fecha a porta e vamos embora.

FOLHA - É uma possibilidade?
RODRIGUES
- Todo dia.

FOLHA - Existem três fatores. Humano, equipamento e procedimentos. O humano está nessa situação. E os equipamentos?
RODRIGUES
- Vamos ser sinceros: há sim um grande esforço por parte da Aeronáutica em resolver. O problema é que acumulou. No Cindacta-1 as freqüências melhoraram muito.

FOLHA - E os procedimentos?
RODRIGUES
- Chegou um pedido do Decea [Departamento de Controle de Espaço Aéreo] em dezembro para que fossem feitos alertas e treinamentos específicos para situações que estavam envolvidas no acidente.

FOLHA - Foi encaminhado?
RODRIGUES
- Na questão do software, ainda acontece a mudança automática dos níveis de vôo [segundo o plano de vôo, não a confirmação do controlador]. É preciso um novo software.

FOLHA - Então o risco existe.
RODRIGUES
- O que estava ruim antes do acidente ficou pior depois do dia 30. Houve uma ruptura de fato. Eu declaro que é seguro. Não gosto de fazer esse tipo de alarme. Mas os componentes estão aí.

FOLHA - E a ameaça de baixa coletiva é real?
RODRIGUES
- É real. Ouvi que há um grupo em torno de 50.


NA INTERNET - Leia a íntegra da entrevista em www.folha.com.br/071062


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