São Paulo, quarta-feira, 17 de maio de 2000


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Ministério oferece seringas para presos gaúchos que usam drogas

AURELIANO BIANCARELLI
ENVIADO ESPECIAL A PORTO ALEGRE

O Ministério da Saúde se prepara para implementar no Rio Grande do Sul a mais ousada e polêmica experiência para redução de doenças entre dependentes de drogas injetáveis na América Latina. Trata-se da troca de seringas entre os detentos do presídio central de Porto Alegre.
O recurso à troca de seringas entre usuários de cocaína injetável para evitar a contaminação pelo HIV já é praticada por cerca de 30 programas no país, quase todos com suporte do ministério. Fora das grades, os programas vêm sendo aceitos paulatinamente e as resistências estão diminuindo.
Dentro dos presídios, a questão é mais delicada e complexa: entregar seringas aos presos significaria reconhecer o uso de drogas entre eles. Mais que isso: seria admitir que a droga entra e circula dentro dos presídios, o que é uma realidade, não um fato aceito.
Embora vista como questão de saúde pública pelo Ministério da Saúde e pelas Nações Unidas, um projeto como esse depende, sobretudo, de vontade política. O primeiro passo já foi dado pelo governo federal, bancando o projeto. O outro será dado hoje à noite quando o secretário gaúcho da Justiça e Segurança, José Paulo Bisol, se reúne com representantes da Coordenação Nacional de Aids do ministério, das secretarias municipal e estadual da Saúde e técnicos da UNDCP, órgão da ONU para o controle de drogas.
O encontro faz parte do Seminário Sul-Americano de Redução de Danos Associados ao Uso de Drogas, que acontece em Porto Alegre. "Trata-se de um projeto estratégico para o ministério", afirma Alexandre Grangeiro, da coordenação nacional.
Para contar como esse trabalho já é feito na Europa, "o seminário convidou um especialista da Espanha onde se realiza uma das experiências mais bem sucedidas", diz o médico Ricardo Kuchenbecker, secretário da Saúde de Porto Alegre e coordenador da política de controle de Aids da cidade.
Segundo o secretário, foi o Ministério da Saúde que manifestou interesse em que Porto Alegre seja palco de um projeto piloto de redução de danos em presídios.
A escolha é compreensível: a cidade abriga um dos maiores e mais bem-sucedidos programas de troca de seringas do país. E o Rio Grande do Sul tem um dos mais altos índices de contágio do HIV pelo uso de drogas injetáveis. Um quarto dos doentes gaúchos se infectaram dessa forma, contra uma média nacional de 20%.
Uma pesquisa feita no Estado com dependentes vinculados a programas de redução de danos mostrou que 40% deles tinham alguma passagem pela polícia ou pela Justiça em decorrência do uso de drogas. Desse grupo, 48% estavam infectados pelo HIV.
"O que mostra uma relação próxima entre drogas, HIV e criminalidade", diz Kuchenbecker. As prisões seriam o local onde todos esses componentes se misturem.
A escolha do presídio central tem suas razões. Levantamento parcial feito em 1997 entre presos que manifestaram o desejo de fazer o teste de contaminação deu 33% de infectados. Entre todos os seus 2.100 presos, o índice estimado é de 20%, comparável ao da Casa de Detenção de São Paulo e ao do presídio feminino do Tatuapé, que fica entre 18% e 21%.
Outra razão para a escolha do Rio Grande do Sul é que seus 12 mil presos estão todos em cadeias ou penitenciárias. No Estado de São Paulo, um quarto dos cerca de 80 mil detentos estão em delegacias de polícia, onde trabalhos de saúde são praticamente impossíveis. Há outra razão: não-oficialmente, agentes de saúde já vêm deixando vasilhames com hipoclorito de sódio em alguns pontos do presídio central. A substância serve para lavar seringas usadas.
Apesar da "disposição oficial", o desafio não será menor. "Além das dificuldades legais, há a questão do sigilo e o risco de se carregar uma seringa dentro do presídio", lembra Nêmora Barcellos, coordenadora da política estadual de controle de DST-Aids.


O jornalista Aureliano Biancarelli viajou a convite da coordenação do Seminário Sul-Americano de Redução de Danos


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