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Ministério oferece seringas para presos gaúchos que usam drogas
AURELIANO BIANCARELLI
ENVIADO ESPECIAL A PORTO ALEGRE
O Ministério da Saúde se prepara para implementar no Rio
Grande do Sul a mais ousada e
polêmica experiência para redução de doenças entre dependentes
de drogas injetáveis na América
Latina. Trata-se da troca de seringas entre os detentos do presídio
central de Porto Alegre.
O recurso à troca de seringas entre usuários de cocaína injetável
para evitar a contaminação pelo
HIV já é praticada por cerca de 30
programas no país, quase todos
com suporte do ministério. Fora
das grades, os programas vêm
sendo aceitos paulatinamente e as
resistências estão diminuindo.
Dentro dos presídios, a questão
é mais delicada e complexa: entregar seringas aos presos significaria reconhecer o uso de drogas entre eles. Mais que isso: seria admitir que a droga entra e circula dentro dos presídios, o que é uma realidade, não um fato aceito.
Embora vista como questão de
saúde pública pelo Ministério da
Saúde e pelas Nações Unidas, um
projeto como esse depende, sobretudo, de vontade política. O
primeiro passo já foi dado pelo
governo federal, bancando o projeto. O outro será dado hoje à noite quando o secretário gaúcho da
Justiça e Segurança, José Paulo Bisol, se reúne com representantes
da Coordenação Nacional de Aids
do ministério, das secretarias municipal e estadual da Saúde e técnicos da UNDCP, órgão da ONU
para o controle de drogas.
O encontro faz parte do Seminário Sul-Americano de Redução
de Danos Associados ao Uso de
Drogas, que acontece em Porto
Alegre. "Trata-se de um projeto
estratégico para o ministério",
afirma Alexandre Grangeiro, da
coordenação nacional.
Para contar como esse trabalho
já é feito na Europa, "o seminário
convidou um especialista da Espanha onde se realiza uma das experiências mais bem sucedidas",
diz o médico Ricardo Kuchenbecker, secretário da Saúde de Porto
Alegre e coordenador da política
de controle de Aids da cidade.
Segundo o secretário, foi o Ministério da Saúde que manifestou
interesse em que Porto Alegre seja
palco de um projeto piloto de redução de danos em presídios.
A escolha é compreensível: a cidade abriga um dos maiores e
mais bem-sucedidos programas
de troca de seringas do país. E o
Rio Grande do Sul tem um dos
mais altos índices de contágio do
HIV pelo uso de drogas injetáveis.
Um quarto dos doentes gaúchos
se infectaram dessa forma, contra
uma média nacional de 20%.
Uma pesquisa feita no Estado
com dependentes vinculados a
programas de redução de danos
mostrou que 40% deles tinham
alguma passagem pela polícia ou
pela Justiça em decorrência do
uso de drogas. Desse grupo, 48%
estavam infectados pelo HIV.
"O que mostra uma relação próxima entre drogas, HIV e criminalidade", diz Kuchenbecker. As
prisões seriam o local onde todos
esses componentes se misturem.
A escolha do presídio central
tem suas razões. Levantamento
parcial feito em 1997 entre presos
que manifestaram o desejo de fazer o teste de contaminação deu
33% de infectados. Entre todos os
seus 2.100 presos, o índice estimado é de 20%, comparável ao da
Casa de Detenção de São Paulo e
ao do presídio feminino do Tatuapé, que fica entre 18% e 21%.
Outra razão para a escolha do
Rio Grande do Sul é que seus 12
mil presos estão todos em cadeias
ou penitenciárias. No Estado de
São Paulo, um quarto dos cerca de
80 mil detentos estão em delegacias de polícia, onde trabalhos de
saúde são praticamente impossíveis. Há outra razão: não-oficialmente, agentes de saúde já vêm
deixando vasilhames com hipoclorito de sódio em alguns pontos
do presídio central. A substância
serve para lavar seringas usadas.
Apesar da "disposição oficial", o
desafio não será menor. "Além
das dificuldades legais, há a questão do sigilo e o risco de se carregar uma seringa dentro do presídio", lembra Nêmora Barcellos,
coordenadora da política estadual
de controle de DST-Aids.
O jornalista Aureliano Biancarelli viajou
a convite da coordenação do Seminário
Sul-Americano de Redução de Danos
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