São Paulo, domingo, 17 de junho de 2007

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Gênio pobre ganha mecenas para estudar

Programa dá bolsas de estudo a alunos talentosos de escolas públicas para melhores colégios particulares do Rio e de SP

Instituto Social Maria Telles tem orçamento de R$ 4 mi e escolhe candidatos com base em testes que avaliam potencial de aprendizagem

LAURA CAPRIGLIONE
DA REPORTAGEM LOCAL

Bruno Henrique da Silva, 13, aluno da sétima série, é filho de Silvana, 37, cabeleireira, mãe solteira, que há três anos e meio migrou de Campo Grande (MS) para São Paulo em busca de novas oportunidades profissionais. O menino mora com a mãe e a única irmã, Flávia Laís, 21, em um quarto com banheiro e cozinha no bairro do Bexiga (centro de São Paulo). Silvana atende em domicílio e se acostumou a deixar o caçula no Conjunto Nacional enquanto se dirige às casas das clientes, na região da avenida Paulista.
O garoto perdeu a conta das horas passadas na Livraria Cultura, lendo tudo o que lhe caísse nas mãos durante o trabalho da mãe (renda de R$ 1.000 mensais). Bruno nunca foi ao Playcenter ou ao Hopi Hari, mal se lembra do último filme a que assistiu, não tem telefone fixo em casa, iPod ou computador. A mãe só estudou até a quinta série. O pai, ele viu apenas uma vez, quando tinha três anos. Mas Bruno é um dos melhores alunos de um dos melhores colégios particulares de São Paulo, o Bandeirantes, R$ 1.385 só de mensalidade.
É rotina pesada. De manhã, das 7h às 12h, o menino assiste a aulas na Escola Estadual Rodrigues Alves, na avenida Paulista. Então, vai para o Bandeirantes, onde almoça. Das 13h50 às 17h40, tem aulas com uma turma de 20 alunos oriundos de escolas públicas como ele, para se alinhar ao padrão de excelência educacional cultivado pelo Bandeirantes. De volta para casa (percurso de 2 km, feito a pé, sozinho), Bruno ainda estuda mais três horas.
A mesma vida o garoto terá na oitava série. A idéia é torná-lo apto a acompanhar o ensino médio regular do Bandeirantes (R$ 1.507 apenas de mensalidade, sem contar material didático e outros investimentos).
A inequação que relaciona os custos com a educação de Bruno e a renda de sua família só se tornou viável porque o garoto foi aprovado no Ismart, um programa de incentivo que dá bolsas de estudos e leva estudantes de escolas públicas muito talentosos e de baixa renda para estudar nos melhores colégios particulares -espécie de mecenato.
Segundo a mãe de Bruno, o colégio Rodrigues Alves, que o menino ainda freqüenta, "é muito fraco". "Meu filho acaba indo ao colégio só para enfeitar o prédio. Um dia não tem aula porque o professor faltou; outro, também. Já houve caso de chegar o final do ano, e o Bruno ainda estar no segundo ou terceiro capítulo do livro didático. Um atraso".

Informantes
Inês Boaventura França, 45, é psicóloga e gerente técnica do Ismart -o nome é uma abreviação de Instituto Social Maria Telles-, que tem orçamento anual de R$ 4 milhões e vive de doações de pessoas físicas e grandes empresas. Segundo Inês, para localizar os geninhos pobres (renda per capita familiar máxima de R$ 570), a equipe técnica do Ismart conta com uma rede valiosa de informantes: os professores da rede pública de ensino -responsáveis pela maior parte das indicações de candidatos ao programa.
Mas o pessoal do Ismart quer os melhores dentre os melhores e, por isso, submete a meninada inscrita a uma seleção rigorosa, que levará em conta principalmente o potencial de aprendizagem. Aprovam-se apenas 5% do total de inscritos, mesmo índice de faculdades hiperconcorridas.
Em São Paulo, o Ismart mantém parcerias com os colégios Santo Américo, Vera Cruz, Santa Cruz e com o Objetivo, além do próprio Bandeirantes. Atualmente, há 220 alunos atendidos (cem no Rio de Janeiro e 120 em São Paulo).
Despesas com material escolar, transporte, uniforme, alimentação e acesso a espetáculos culturais são pagos pelo projeto. O objetivo de tudo é o sucesso. É transformar meninos pobres -mas geniais- em profissionais de sucesso, "CEOs das empresas mais importantes", conforme explica a gerente Inês, referindo-se à sigla inglesa que designa presidentes de corporações.
Segundo o site do projeto, espera-se, "assim, contribuir para mudar a composição da futura elite intelectual brasileira, garantindo que seus líderes reflitam a verdadeira face do país". Para Inês, o valor máximo no Ismart é o mérito. "Cultivamos a meritocracia." Na prática, é uma pauleira. Se o menino não acompanhar o curso, apesar do apoio dos psicólogos, um abraço. Um em cada quatro alunos perdem-se no meio do caminho ou são excluídos. O objetivo, diz Inês, é atingir a marca de 80% de aproveitamento.
Para os pais dos vencedores, é um orgulho. A quitinete de 18 metros quadrados no bairro da Liberdade (centro de São Paulo) em que se espreme a família de Jefferson Danilo de Sousa Pacheco, 13, na sétima série, pai comerciante da rua 25 de Março (famosa pelos camelôs), mãe dona-de-casa e um irmão de sete anos, por exemplo, fica em silêncio total quando o adolescente precisa estudar. A mãe abre mão da novela, o pai assiste ao futebol com a televisão muda. "Temos de ajudá-lo a realizar o sonho de se tornar um grande escritor", diz a mãe, Maria Lucilene de Sousa, 38.
Também é assim com a família de Bruno Resende Domingues, 15, segundo ano do ensino médio, morador no Grajaú (bairro pobre da zona sul de São Paulo) e vencedor em uma Olimpíada de Matemática. O pai, aposentado por invalidez com renda de R$ 1.500, fazia bico de carreto com uma Kombi velha só para comprar livros para o filho.
Apesar da adesão, o professor Júlio Groppa Aquino, da Faculdade de Educação da USP, tem uma nota ácida: "Quando a gente começa a achar que é preciso retirar os melhores talentos da escola pública a fim de salvá-los, é porque o ideal republicano acabou".


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