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PASQUALE CIPRO NETO
"Traduttore, traditore"
Saiu no "Erramos", da Folha de ontem: "Por um erro de
tradução, uma frase...". A frase em questão informava que "o diplomata americano Paul Bremer descreveu logros de sua administração no Iraque". "O correto seria dizer que o diplomata americano descreveu sucessos...", informa a nota do jornal.
Traduzida do espanhol, a forma "logros" foi mantida "ipsis litteris" no texto da Folha. Em espanhol, "logro" significa "lucro",
"sucesso", "ganho". Em português, "logro" significa... Bem, vamos à etimologia: "logro" vem do
latim "lucru", que não por acaso
lembra "lucro" (tanto "logro"
quanto "lucro" vêm de "lucru").
Então em português "logro"
quer dizer "lucro", "sucesso", "ganho", "vantagem", como em espanhol? Sim e não. Nossos dicionários registram "logro" com a
acepção de "ganho material",
"lucro", "proveito", mas dão esse
sentido como "antigo". O sentido
mais vivo do termo é "ato praticado de má-fé que objetiva lesar ou
ludibriar outrem, ou de não cumprir determinado dever; fraude,
burla, embuste" ("Houaiss").
Convém lembrar que "lograr"
pode significar "alcançar", "conseguir" ("Logrou a felicidade graças a uma sábia filosofia de vida"
-exemplo do "Aurélio") ou "enganar com astúcia; burlar, intrujar, defraudar" ("Logrou o companheiro, passando-lhe a nota
falsa" -também do "Aurélio").
Não se pode esquecer, por fim,
que o primeiro sentido de "logro"
que aparece nos dicionários é
"ato de lograr". Complicado, não?
O caso de "logro" e "lograr" é
ótimo para ilustrar os caminhos
que percorrem muitas das palavras de uma língua. Por acaso
não dizemos que determinado
produto "vende muito"? Não dizemos que é preciso tomar cuidado, porque o piso "escorrega"?
Construções como essas podem
resultar da supressão de alguns
elementos e/ou da inversão de
certas relações. "Vende-se muito
esse produto", por exemplo, passa
a "Vende muito esse produto" ou
"Esse produto vende muito"; "Escorrega-se nesse piso" passa a
"Esse piso escorrega".
O percurso de "logro" é bem explicado pelo "Houaiss": "Variação popular de lucro em que a
origem da noção de "ganho", "vantagem" se deslocou do agente para
o paciente e para a causa ou instrumento, daí "roubo, proveito
obtido mediante engodo'". Como
se vê, de certa forma essa palavra
acabou tornando-se antônima de
si mesma. Entre nós, no entanto,
seu uso vivo é como sinônimo de
"engano propositado contra alguém" ("Aurélio").
Um caso que vale a pena citar é
o de "sanção". Quando o presidente aprova uma lei, dá a ela a
sua sanção. Quando alguém não
cumpre determinados itens de
um contrato, recebe sanção.
Como se vê, "sanção" pode significar "confirmação", "aprovação" ou "pena", "castigo". E por
quê? Porque o termo vem de
"sanctione" ("ato de tornar santo,
respeitado"). O que está na lei,
portanto, é sancionado, ou seja,
"santificado", e deve ser respeitado (como se respeita a um santo
ou a algo que seja sagrado). Se
não se segue o que está na lei (ou
no contrato etc.), recebe-se a sanção, ou seja, a pena que a própria
lei sancionada já prevê. É isso.
Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna às quintas-feiras
E-mail - inculta@uol.com.br
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