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LETRAS JURÍDICAS
Denuncismo entre o estilingue e a vidraça
WALTER CENEVIVA
COLUNISTA DA FOLHA
Estou de pleno acordo
com o presidente Lula da
Silva quando diz que o denuncismo não é bom para a democracia.
Digo mais: o denuncismo interessa ao culpado e ofende o inocente.
Antes, porém, é preciso que nos
entendamos, pois denuncismo
não se encontra nos dicionários.
A informação responsável, com
base em fatos pelo menos razoavelmente comprováveis, é a boa
denúncia. Constitui dever de todo
cidadão. A informação desprovida de veracidade mínima ou desacompanhada de qualquer elemento de prova, em particular
quando difundida por órgãos da
mídia, é denuncismo.
Denuncismo, portanto, é a informação escandalosa, sem base,
transmitida aos meios da comunicação social, em particular a televisão, para prejudicar alguém.
Favorece o culpado e sacrifica a
sociedade. A longo prazo, trará
prejuízos irreparáveis para a mídia, com a reiterada condenação
dos inocentes queimados pelo fogo do escândalo público antes de
terem reconhecida a inocência.
São prejudicados pela nossa tendência de dar crédito ao que dizem de mau a respeito de alguém.
O dano é conseqüente de outro
mal contemporâneo: o declaracionismo. A mídia ouve alguém
provido de alguma autoridade
pública sem exercer adequado
juízo crítico sobre os fatos serem
verdadeiros ou falsos. Basta a
convicção de ter sido correta a reprodução do declarado. Isso, porém, é insuficiente. Bom jornalismo checa a informação, verifica
os dados, ainda que a apuração
integral surja no dia seguinte, e se
corrige. O mau jornalismo, sob a
desculpa da urgência do fechamento, reproduz a declaração e se
esquece de a corrigir.
O "New York Times" e esta Folha, há algum tempo, deram bom
exemplo desse erro e tentaram
corrigi-lo. O jornal americano,
por ter acolhido informações do
governo Bush sem as apurar, admitiu, em editorial, que foi na onda da patriotada irresponsável
para só muito depois constatar
que as informações eram baseadas em dados falsos. A Folha acolheu dados aparentemente verdadeiros sobre índices de mortalidade no Brasil. Não eram. Corrigiu-os não em simples nota de "erramos", mas em reportagem reconhecendo a insuficiente verificação feita sobre os dados recebidos.
Contudo, no dia-a-dia da notícia,
isso raramente acontece, no Brasil e no resto do mundo, sobretudo quando o atingido é pessoa
qualquer, é um "uomo qualunque", como diria Papini, o
joão-ninguém.
Além de ofender a presunção
constitucional da inocência, o denuncismo e sua contraparte, o declaracionismo, geralmente atingem e denigrem as famílias dos
denunciados, crianças inocentes
nas escolas, parentes no serviço e
até amigos em geral. Já o disse e
repito: estou com Lula da Silva na
crítica referida de início, mas
uma ressalva é necessária. Alguns
dos modos pelos quais o presidente chegou ao poder foram o declaracionismo e o denuncismo, feitos
por companheiros seus quando
eram oposição, ajudados pela desatenção da mídia no verificar
cuidadosamente as informações
prestadas. Nem todos os seus
companheiros foram por esse caminho, seja reconhecido. Lembro
os Josés (Genoino e Eduardo), as
ex-petistas Luiza e Heloisa. Foram exceções louváveis, assim como o próprio Lula. Um dos traços
mais fortes da crítica ao denuncismo tem conteúdo ético, só percebido quando se sofrem seus efeitos. Não há nada como um dia
depois do outro para perceber a
diferença entre ser estilingue ou
atiradeira e ser vidraça. Ser vidraça é muito chato. Lula tem
razão.
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