São Paulo, quinta-feira, 17 de julho de 2008

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PASQUALE CIPRO NETO

A competência do ministro


Palavras como "competência", "petulante", "ímpeto" e "apetite" vêm do mesmo ventre (latino)...

E A NOSSA UBÉRRIMA USINA de horrores não pára de parir. A "Santa" Casa de Belém, os crimes das polícias fluminense e paranaense e o caso Nahas/Pitta/Dantas são apenas algumas das últimas gotas da inefável barbárie brasuca.
Mas nem tudo são (ou "é", se o leitor preferir) cinzas. Nossos próceres às vezes produzem fatos interessantes. Refiro-me ao "diálogo" entre Gilmar Mendes (presidente do STF) e Tarso Genro (ministro da Justiça), mais especificamente ao fato de Mendes ter dito, em entrevista à Folha, que Genro não tem "competência para decidir inquéritos, muito menos prisão preventiva".
Advogado (portanto conhecedor do juridiquês), Genro disse que não se incomodou com o linguajar de Mendes. Indiretamente, aproveitou o episódio para dar uma aulinha de juridiquês, ao afirmar que o presidente do STF usara um termo técnico. No mínimo, despertou a curiosidade nos mais inquietos.
Posto isso, estendamos a questão. Comecemos pela "tradução" do termo empregado por Mendes, o que será feito com a ajuda do "Houaiss", que dá como segunda acepção de "competência" o seguinte: "Qualidade legítima de jurisdição ou autoridade, conferidas a um juiz ou a um tribunal, para conhecer e julgar certo feito submetido à sua deliberação dentro de determinada circunscrição judiciária". Com perdão de Madame Natasha, Mendes quis dizer que o território de Tarso Genro é outro.
O leitor certamente sabe que o substantivo "competência" é da mesma família de "competir", verbo que, entre outros sentidos, tem o de "caber" ("Não compete/cabe a nenhum policial o julgamento de quem quer que seja"). O que o leitor talvez não saiba é que "competir" e "competência" fazem parte de uma imensa família (latina) de que também são partícipes vocábulos como "repetir", "petulante", "pedir", "ímpeto", "apetite", "petição" etc.
Sobre a raiz de toda a família (o elemento de composição "ped-"), o "Houaiss" diz o seguinte: "Antepositivo, do verbo latino peto,is,ívi ou ìi,ítum,ère "lançar-se sobre, atacar, dirigir-se para, tentar atingir, aproximar-se de; alcançar, atingir; buscar, procurar, pedir, solicitar, requerer, desejar, aspirar a...'". Pois é, caro leitor, palavras como "competência" e "apetite", entre outras vêm do mesmo ventre... As conclusões ficam por conta de cada um.
Convém aproveitar a ocasião para tocar em dois pontos correlatos que julgo importantes. O primeiro deles diz respeito à conjugação de "competir", que não é defectivo, não, ou seja, tem conjugação completa: "Eu compito, tu competes, ele compete, nós competimos...", no presente do indicativo; no do subjuntivo, "que eu compita, que tu compitas, que ele compita, que nós compitamos...". Feinho, não?
O segundo diz respeito à falsa cognação entre "pedir" e "expedir". Por um dos tantos caprichos da língua, o segundo "herdou" a conjugação do primeiro ("peço/expeço, peça/expeça"), embora venham de ventres distintos. "Expedir" vem da mesma raiz latina de "pé" e significa "desembaraçar o pé", ou seja, "eliminar os obstáculos". Não é à toa que santo Expedito é quem é.
"Expedito" ("que desempenha tarefas ou resolve problemas com rapidez", "diligente") vem do particípio do verbo latino "expedire".
Entro em férias hoje. A coluna volta em 7 de agosto. É isso.

inculta@uol.com.br


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