São Paulo, domingo, 17 de julho de 2011

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GILBERTO DIMENSTEIN
Bairrismo vira cult


Numa variação do site de bicos na vizinhança, espalham-se pelos Estados Unidos bancos do tempo


OS QUE não quiseram enfrentar a fila do mais recente "Harry Potter", lançado na última sexta-feira, tinham um jeito de contornar, nos Estados Unidos, esse incômodo. Em poucos segundos, aparecem na tela do celular os vizinhos dispostos a ficar na fila desde que recebam algum pagamento.
O mercado de trabalho de "fileiros" que moram em seu bairro é possível por causa de um site chamado TaskRabbit, onde se listam os serviços oferecidos pelos vizinhos. Ficar na fila pode render um bom dinheiro extra: enfrentar a multidão para adquirir o último modelo do iPad saía por quase R$ 200.
São centenas de bicos oferecidos no bairro: arrumar a garagem, fazer as compras no supermercado, organizar a biblioteca, dar um jeito na antiga bagunça do armário, passear com o cachorro, colocar em ordem a fiação dos aparelhos eletrônicos, levar a roupa na lavanderia etc.
O negócio nasceu em São Francisco e é parte de uma série de experimentos com o uso das novas tecnologias da informação que redefinem como podemos viver de forma mais inteligente em uma cidade, a começar pelo bairro.

 


A tendência é estimulada pelos novos recursos tecnológicos que permitem a localização e o compartilhamento, a crise econômica nos países ricos e a escassez de mão de obra para serviços domésticos. Em várias cidades brasileiras, em famílias de classe média, a extinção da empregada doméstica já é sentida.
Numa variação do site de bicos na vizinhança, espalham-se pelos EUA bancos do tempo, que nasceu como filantropia, mas mudou de rumo. Faz-se um serviço no bairro em troca de um crédito. Com esse crédito, pode-se requisitar também um serviço. A estudante chinesa dá aula de mandarim e, em troca, ganha o direito de aprender inglês.

 


Em Londres, montou-se um negócio de intermediação de carros entre vizinhos. O projeto se aprimorou quando desenvolveram, em São Francisco, a chave digital embutida no celular. Lá também testaram (e deu certo) o compartilhamento de garagens particulares, o que sai muito mais barato do que os estacionamentos comuns.
Talvez seja difícil alugar seu carro para um desconhecido. Mas é menos difícil para quem se encontra andando pelas ruas e estabeleceu uma relação de confiança.
Um dos projetos estimula que as pessoas coloquem na internet todos os produtos desnecessários em sua casa ou que podem ser emprestados. Cria-se assim uma espécie de bolsa de valores comunitária. Promovem-se até encontros presenciais para fazer as trocas, que acabam virando festa.

 


A facilidade para fazer pagamentos de forma mais segura estimulou sites de empréstimos em que as pessoas alugam por dia ou por semana alguns de seus objetos, alguns deles (uma furadeira elétrica, por exemplo) usados poucas vezes por ano. Esse tipo de projeto começou a ser testado este ano no Brasil, batizado de DescolaAí.
Não é fácil furar a barreira da desconfiança. Na Europa e nos Estados Unidos, cresce sem parar o hábito de compartilhamento de carro. Em São Paulo, começam este ano duas experiências: uma delas para carona entre universitários, outra para colegas de trabalho. Neste mês, começou em Pinheiros o projeto de uso comum com carro.

 


Há algum tempo, cresce entre os pensadores da mídia a convicção de que uma das principais tendências do futuro do jornalismo é a chamada "hiperlocalidade". Pipocam jornais digitais que cobrem um bairro -ou, até mais do que isso, limita-se a uma quadra ou uma rua. Cidadãos viram então repórteres hiperlocais e passam a influenciar no olhar sobre a cidade, pressionando os poderes.
É uma curiosa volta ao passado, época em que as relações de vizinhança eram mais fortes; essas, hoje, passam quase despercebidas nos grandes centros urbanos. O fato é que bairrismo, visto como algo atrasado, está virando cult.

 


PS - Cidades inteligentes é uma nova área em cursos de gestão e urbanismo. Tal tema implica como fazer as cidades funcionarem melhor com as tecnologias da informação. Isso vai desde mecanismos para o pedágio urbano, passando por evitar desperdícios com água, até sensores em automóveis que se antecipam aos problemas no trânsito. Coloquei no catracalivre.com.br os links dos sites citados nesta coluna.


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