São Paulo, segunda-feira, 17 de agosto de 2009

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ENTREVISTA

RICARDO SCOFIDIO

"Arquitetura pode ajudar, mas não é a penicilina"

Para vencedor de projeto do novo MIS do Rio, arquitetura traz mudança, mas não resolve problemas sociais em áreas degradadas

Rafael Andrade/Folha Imagem
O arquiteto Ricardo Scofidio no bairro de Copacabana (zona sul do Rio de Janeiro), onde será instalada a nova sede do MIS

DA SUCURSAL DO RIO

A arquitetura pode ajudar a mudar uma região, mas não é a "penicilina" que cura a doença, diz o arquiteto norte-americano Ricardo Scofidio, 73, vencedor, ao lado de Elizabeth Diller e Charles Renfro, do concurso para a escolha da nova sede do MIS (Museu da Imagem e do Som), no Rio. Ele acredita no potencial da arquitetura para promover mudanças qualitativas em regiões como a que sediará o novo museu -hoje um ponto de prostituição em Copacabana.
Scofidio é casado com Elizabeth Diller, com quem trabalha desde 1970. Entre outros projetos, eles foram responsáveis pelo novo Instituto de Arte Contemporânea de Boston e pelo Eyebeam Atelier, um museu-laboratório dedicado a novas mídias em Manhattan. O arquiteto dirige o escritório Diller Scofidio + Renfro, em Nova York. (DENISE MENCHEN)

 

FOLHA - Um dos aspectos mais marcantes do projeto do novo MIS é a tentativa de fazer do museu uma extensão do calçadão. Como surgiu essa ideia?
RICARDO SCOFIDIO -
Quando começamos o projeto, sentimos de forma muito forte que a praia de Copacabana é um lugar muito democrático e que o museu, por ser um prédio público, deveria manter essa sensação. E o símbolo disso é o calçadão, um lugar onde todos caminham e passeiam e, por um momento, são iguais. Então quisemos verticalizar o calçadão, fazê-lo subir o prédio, tanto do lado de dentro quanto do de fora. Esse é um museu sobre a cidade, não é um museu que deveria passar a imagem de que é voltado apenas para pessoas com certo nível educacional.

FOLHA - No mundo todo, há uma tendência de criar museus mais atrativos e sedutores, como é o caso do MIS. Museus, no entanto, são feitos para durar décadas. É possível fazer um projeto que mantenha sua atratividade ao longo do tempo?
SCOFIDIO -
Sim. Para mim, o problema é quando os museus se mumificam. Eles preservam algo, mas é a preservação de algo morto. E um museu deveria ser vivo e atual. E essa eu acho que é uma das coisas maravilhosas do MIS, a sua conexão com a cultura e o momento atual da cidade. E o fato de ter um restaurante e um piano bar nesse museu vai fazer dele um novo museu, talvez o primeiro do tipo no mundo.

FOLHA - O orçamento previsto para a construção do museu, incluindo o custo do projeto, é de R$ 45 milhões (cerca de US$ 25 milhões). Será suficiente?
SCOFIDIO -
Ainda não estou familiarizado com os custos do metro quadrado na construção civil brasileira. As pessoas com quem conversamos nos asseguraram que o orçamento é perfeitamente adequado para o prédio que nós queremos fazer.
Por exemplo, o ICA (sigla em inglês para Instituto de Arte Contemporânea) em Boston custou mais ou menos a mesma coisa. E o importante é que nós vamos trabalhar com Marcio Kogan, arquiteto local que conhece a realidade brasileira.

FOLHA - O Rio tem duas experiências complicadas com projetos de grandes obras culturais. Um é o da Cidade da Música, do arquiteto francês Christian de Portzamparc. Inicialmente orçado em R$ 80 milhões, já custou mais de R$ 500 milhões e está com as obras paralisadas. O outro, que não chegou a sair do papel, foi um museu Guggenheim, com projeto de Jean Nouvel, que seria construído na região portuária, mas foi obstruído pela Justiça. Como o senhor avalia a viabilidade do projeto dentro desse orçamento e das possíveis dificuldades com a burocracia e a Justiça brasileiras?
SCOFIDIO -
Não sei o suficiente sobre esses projetos para saber onde foi que ocorreu o problema, o que deu errado. O que eu sei é que, em todos os projetos que fazemos, nós não vamos embora e voltamos apenas quando o prédio já está pronto.
Nós vamos desenvolver o projeto lado a lado com o MIS e com a Fundação [Roberto Marinho]. Vamos continuamente checar os custos à medida que formos avançando. Não vamos estourar o orçamento por causa do jeito que o museu foi projetado. Mas sempre há o imprevisível. Você cava um buraco e quem sabe o que vai encontrar?

FOLHA - O MIS será construído no local onde hoje funciona uma boate que, desde os anos 80, é um ponto de prostituição em Copacabana. O senhor tem outras experiências com projetos criados para promover uma grande mudança qualitativa na vizinhança, como é o caso desse?
SCOFIDIO -
Acredito que todo projeto gera uma mudança qualitativa na sua vizinhança. Veja o High Line, o parque suspenso que nós estamos fazendo em [uma ferrovia abandonada de] Manhattan. Ele vai mudar a vizinhança completamente.
Vai haver novos projetos, o valor das propriedades vai subir... Tudo o que se faz como arquiteto provoca mudanças, e é preciso estar ciente disso. Eu não acho que seja algo exclusivo desse projeto.

FOLHA - Em São Paulo, desde 1998, mais de R$ 200 milhões foram investidos em equipamentos culturais na localidade conhecida como cracolândia, onde viciados em crack usam a droga livremente nas ruas. Agora o plano é investir outros R$ 12 milhões num projeto urbanístico para a área. Como arquiteto, como você avalia que o urbanismo e a arquitetura podem colaborar com a recuperação de áreas degradadas e quais os seus limites?
SCOFIDIO -
Essa é uma pergunta difícil. Há muitas questões políticas envolvidas nisso que são provavelmente muito mais profundas do que o alcance da arquitetura. Eu não acho que você pode chegar com a arquitetura e resolver problemas sociais. Esses problemas devem ser atacados no nível político e humanitário. E aí, sim, a arquitetura pode ajudar. Mas a arquitetura não vai ser a penicilina que vai curar a doença.

FOLHA - O senhor chegou a visitar São Paulo? O que achou da cidade?
SCOFIDIO -
Fui lá [na semana passada]. Visitei o Museu do Futebol e o Museu da Língua Portuguesa, ambos da Fundação [Roberto Marinho]. São muito bonitos. Mas fui do aeroporto para o escritório do Marcio Kogan, de lá para os museus e então de volta para o aeroporto. Não conheci a cidade. Isso vai ter que ficar para uma outra viagem. Sei que tem muita arquitetura interessante lá.

FOLHA - O senhor teve a oportunidade de visitar alguns marcos arquitetônicos no Rio?
SCOFIDIO -
Nos poucos momentos livres que tive quis conhecer a arquitetura do [Oscar] Niemeyer. Vi a Casa das Canoas, o museu de Niterói [MAC, Museu de Arte Contemporânea] e passei pelo hotel na torre redonda, que está fechado [Hotel Nacional, em São Conrado], e por alguns dos seus trabalhos no centro. Essa é a arquitetura com a qual eu cresci. Foi muito importante para mim, como estudante, saber que isso estava acontecendo.

FOLHA - O sr. conhece o arquiteto Paulo Mendes da Rocha, que ganhou o prêmio Pritzker? O que acha dele?
SCOFIDIO -
[Risos] Essa é uma pergunta engraçada. Existe uma razão pela qual ele ganhou o Pritzker. Eu não vou dizer que eu odeio o trabalho dele, é óbvio. Eu realmente gosto muito. Uma das coisas que descobrimos [durante a pesquisa para o MIS] foi Oswald de Andrade, um escritor que nos anos 20 escreveu um manifesto sobre o canibalismo. Ele falava sobre como o Brasil iria digerir a cultura europeia e fazer algo único. A nossa esperança é que nós digiramos um pouco da arquitetura de vocês para fazer da nossa arquitetura também algo único para o Brasil.


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