|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ENTREVISTA
RICARDO SCOFIDIO
"Arquitetura pode ajudar, mas não é a penicilina"
Para vencedor de projeto do novo MIS do Rio, arquitetura traz mudança, mas não resolve problemas sociais em áreas degradadas
Rafael Andrade/Folha Imagem
|
|
O arquiteto Ricardo Scofidio no bairro de Copacabana (zona sul do Rio de Janeiro), onde será instalada a nova sede do MIS
DA SUCURSAL DO RIO
A arquitetura pode ajudar a mudar uma região, mas
não é a "penicilina" que cura a doença, diz o arquiteto
norte-americano Ricardo Scofidio, 73, vencedor, ao
lado de Elizabeth Diller e Charles Renfro, do concurso
para a escolha da nova sede do MIS (Museu da Imagem e do Som), no Rio. Ele acredita no potencial da arquitetura para promover mudanças qualitativas em
regiões como a que sediará o novo museu -hoje um
ponto de prostituição em Copacabana.
Scofidio é casado com Elizabeth Diller, com quem
trabalha desde 1970. Entre outros projetos, eles foram
responsáveis pelo novo Instituto de Arte Contemporânea de Boston e pelo Eyebeam Atelier, um museu-laboratório dedicado a novas mídias em Manhattan. O
arquiteto dirige o escritório Diller Scofidio + Renfro,
em Nova York.
(DENISE MENCHEN)
FOLHA - Um dos aspectos mais
marcantes do projeto do novo MIS é
a tentativa de fazer do museu uma
extensão do calçadão. Como surgiu
essa ideia?
RICARDO SCOFIDIO - Quando começamos o projeto, sentimos
de forma muito forte que a
praia de Copacabana é um lugar muito democrático e que o
museu, por ser um prédio público, deveria manter essa sensação. E o símbolo disso é o calçadão, um lugar onde todos caminham e passeiam e, por um
momento, são iguais. Então
quisemos verticalizar o calçadão, fazê-lo subir o prédio, tanto do lado de dentro quanto do
de fora. Esse é um museu sobre
a cidade, não é um museu que
deveria passar a imagem de que
é voltado apenas para pessoas
com certo nível educacional.
FOLHA - No mundo todo, há uma
tendência de criar museus mais
atrativos e sedutores, como é o caso
do MIS. Museus, no entanto, são feitos para durar décadas. É possível fazer um projeto que mantenha sua
atratividade ao longo do tempo?
SCOFIDIO - Sim. Para mim, o
problema é quando os museus
se mumificam. Eles preservam
algo, mas é a preservação de algo morto. E um museu deveria
ser vivo e atual. E essa eu acho
que é uma das coisas maravilhosas do MIS, a sua conexão
com a cultura e o momento
atual da cidade. E o fato de ter
um restaurante e um piano bar
nesse museu vai fazer dele um
novo museu, talvez o primeiro
do tipo no mundo.
FOLHA - O orçamento previsto para a construção do museu, incluindo
o custo do projeto, é de R$ 45 milhões (cerca de US$ 25 milhões). Será
suficiente?
SCOFIDIO - Ainda não estou familiarizado com os custos do
metro quadrado na construção
civil brasileira. As pessoas com
quem conversamos nos asseguraram que o orçamento é perfeitamente adequado para o
prédio que nós queremos fazer.
Por exemplo, o ICA (sigla em
inglês para Instituto de Arte
Contemporânea) em Boston
custou mais ou menos a mesma
coisa. E o importante é que nós
vamos trabalhar com Marcio
Kogan, arquiteto local que conhece a realidade brasileira.
FOLHA - O Rio tem duas experiências complicadas com projetos de
grandes obras culturais. Um é o da
Cidade da Música, do arquiteto francês Christian de Portzamparc. Inicialmente orçado em R$ 80 milhões,
já custou mais de R$ 500 milhões e
está com as obras paralisadas. O outro, que não chegou a sair do papel,
foi um museu Guggenheim, com
projeto de Jean Nouvel, que seria
construído na região portuária, mas
foi obstruído pela Justiça. Como o
senhor avalia a viabilidade do projeto dentro desse orçamento e das
possíveis dificuldades com a burocracia e a Justiça brasileiras?
SCOFIDIO - Não sei o suficiente
sobre esses projetos para saber
onde foi que ocorreu o problema, o que deu errado. O que eu
sei é que, em todos os projetos
que fazemos, nós não vamos
embora e voltamos apenas
quando o prédio já está pronto.
Nós vamos desenvolver o projeto lado a lado com o MIS e
com a Fundação [Roberto Marinho]. Vamos continuamente
checar os custos à medida que
formos avançando. Não vamos
estourar o orçamento por causa do jeito que o museu foi projetado. Mas sempre há o imprevisível. Você cava um buraco e
quem sabe o que vai encontrar?
FOLHA - O MIS será construído no
local onde hoje funciona uma boate
que, desde os anos 80, é um ponto
de prostituição em Copacabana. O
senhor tem outras experiências com
projetos criados para promover uma
grande mudança qualitativa na vizinhança, como é o caso desse?
SCOFIDIO - Acredito que todo
projeto gera uma mudança
qualitativa na sua vizinhança.
Veja o High Line, o parque suspenso que nós estamos fazendo
em [uma ferrovia abandonada
de] Manhattan. Ele vai mudar a
vizinhança completamente.
Vai haver novos projetos, o valor das propriedades vai subir...
Tudo o que se faz como arquiteto provoca mudanças, e é preciso estar ciente disso. Eu não
acho que seja algo exclusivo
desse projeto.
FOLHA - Em São Paulo, desde 1998,
mais de R$ 200 milhões foram investidos em equipamentos culturais na
localidade conhecida como cracolândia, onde viciados em crack usam
a droga livremente nas ruas. Agora
o plano é investir outros R$ 12 milhões num projeto urbanístico para
a área. Como arquiteto, como você
avalia que o urbanismo e a arquitetura podem colaborar com a recuperação de áreas degradadas e quais
os seus limites?
SCOFIDIO - Essa é uma pergunta
difícil. Há muitas questões políticas envolvidas nisso que são
provavelmente muito mais
profundas do que o alcance da
arquitetura. Eu não acho que
você pode chegar com a arquitetura e resolver problemas sociais. Esses problemas devem
ser atacados no nível político e
humanitário. E aí, sim, a arquitetura pode ajudar. Mas a arquitetura não vai ser a penicilina que vai curar a doença.
FOLHA - O senhor chegou a visitar
São Paulo? O que achou da cidade?
SCOFIDIO - Fui lá [na semana
passada]. Visitei o Museu do
Futebol e o Museu da Língua
Portuguesa, ambos da Fundação [Roberto Marinho]. São
muito bonitos. Mas fui do aeroporto para o escritório do Marcio Kogan, de lá para os museus
e então de volta para o aeroporto. Não conheci a cidade. Isso
vai ter que ficar para uma outra
viagem. Sei que tem muita arquitetura interessante lá.
FOLHA - O senhor teve a oportunidade de visitar alguns marcos arquitetônicos no Rio?
SCOFIDIO - Nos poucos momentos livres que tive quis conhecer a arquitetura do [Oscar]
Niemeyer. Vi a Casa das Canoas, o museu de Niterói
[MAC, Museu de Arte Contemporânea] e passei pelo hotel na
torre redonda, que está fechado
[Hotel Nacional, em São Conrado], e por alguns dos seus trabalhos no centro. Essa é a arquitetura com a qual eu cresci.
Foi muito importante para
mim, como estudante, saber
que isso estava acontecendo.
FOLHA - O sr. conhece o arquiteto
Paulo Mendes da Rocha, que ganhou o prêmio Pritzker? O que acha
dele?
SCOFIDIO - [Risos] Essa é uma
pergunta engraçada. Existe
uma razão pela qual ele ganhou
o Pritzker. Eu não vou dizer
que eu odeio o trabalho dele, é
óbvio. Eu realmente gosto muito. Uma das coisas que descobrimos [durante a pesquisa para o MIS] foi Oswald de Andrade, um escritor que nos anos 20
escreveu um manifesto sobre o
canibalismo. Ele falava sobre
como o Brasil iria digerir a cultura europeia e fazer algo único. A nossa esperança é que nós
digiramos um pouco da arquitetura de vocês para fazer da
nossa arquitetura também algo
único para o Brasil.
Texto Anterior: Represa: Criança morre e 2 parentes somem após barco virar Próximo Texto: Frases Índice
|