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Relatos citam desvio em museus desde 94
Cinco testemunhas afirmam que dinheiro obtido com eventos era depositado em uma conta particular até março deste ano
Lei determina que recursos gerados com atividades nos museus do Estado de São Paulo sejam destinados a fundo de fomento à cultura
MARIO CESAR CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL
Diretores da sociedade de
amigos do MIS (Museu da Imagem e do Som) e do Museu da
Casa Brasileira desviaram recursos que deveriam ir para o
Estado para essas entidades
privadas, de acordo com o relato de cinco testemunhas ouvidas pelo Ministério Público. A
irregularidade perdurou por 12
anos, pelo menos -de 1994 até
março deste ano.
"Os recursos obtidos com locação de espaço público iam
para a associação, não para o
museu ou para a Secretaria da
Cultura", diz o promotor Sílvio
Marques, que investiga as
eventuais irregularidades na
área cível nos dois museus pertencentes ao governo paulista.
Na última semana, Marques
determinou a abertura de um
inquérito policial para apurar
suspeitas de lavagem de dinheiro, formação de quadrilha e
prática de caixa 2.
A lei 10.294, de 1968, determina que todos os recursos obtidos com a venda de ingressos,
catálogos ou locação de espaço
devem ser depositados no Fundo Estadual de Cultura. Doações e contribuições também
precisam ir para esse fundo.
A Promotoria da Cidadania
tem documentos que mostram
que o Museu da Casa Brasileira
alugava espaços para eventos
desde 1994 e o dinheiro era depositado em uma conta da associação de amigos. O MIS e
praticamente todos os museus
do governo do Estado adotam o
mesmo tipo de prática.
Três ex-diretores desses museus ouvidos pela Folha, sob a
condição de que seus nomes
não fossem publicados, contam
que a orientação para depositar
o dinheiro na conta privada vinha da Secretaria da Cultura.
Um dos ex-diretores contou
que ouviu do próprio Marcos
Mendonça, secretário da Cultura de 1995 a 2003 (nos governos tucanos de Mário Covas e
Geraldo Alckmin), a sugestão
de que ele não conseguiria reaver a verba se fosse depositada
no Fundo Estadual de Cultura.
A sociedade de amigos de
museus foi a forma que os secretários da Cultura do Estado
encontraram para driblar o que
classificam de "rigidez" da lei.
Tudo era tão oficial que a secretaria revisava e aprovava o
estatuto das sociedades. Com
recursos à míngua, o Estado
cuidava do pagamento de uma
parcela mínima de funcionários e segurança. O pagamento
do resto -exposições, pesquisas, cuidado com acervo- ficava a cargo dessas entidades.
A justificativa para a adoção
das sociedades era simples. Se
a luz de um projetor do MIS
queimar, o governo leva dois
meses para trocá-la. Com o dinheiro da sociedade, a substituição era feita no dia seguinte.
O problema é que há uma lei
determinando que a verba obtida com o espaço público vá
para um fundo público.
"Museu não é repartição pública e as leis existentes inviabilizavam a gestão de um museu até surgir a figura jurídica
das organizações sociais", diz a
ex-secretária Cláudia Costin.
As OSs, como são chamadas,
foram criadas na área da cultura em 2004 e têm um papel similar ao da sociedade de amigos: servem para fugir da lerdice do Estado e buscar recursos
junto à iniciativa privada.
Mesmo dentro do PSDB,
partido que criou e defende as
OSs, há quem critique a prática
por acreditar que há limites para a idéia de Estado mínimo e,
os museus, pelo seu caráter
educativo, deveriam ser excluídos. Há quem considere as OSs
"privatização envergonhada".
Costin acha a classificação
simplista: "O bom das OSs é
que o Estado não se desonera
de financiar as instituições e
você ganha flexibilidade de gestão". Foi por meio das organizações sociais que o Estado
acabou com a informalidade
que existia nas sociedades de
amigos de museus. Em março
deste ano, as OSs do MIS e do
MCB assinaram um convênio
com o Estado, segundo o promotor, que regula as relações.
"Antes de março, havia uma
relação informal e ilegal", afirma Marques. O Ministério Público tem indicações de mais de
200 eventos realizados nos
dois museus. Até casamentos
eram celebrados no MCB e no
MIS, diz o promotor.
O crítico de cinema Amir Labaki, que dirigiu o MIS em duas
ocasiões, diz que a informalidade não significa prática de irregularidades. "É muito mais fácil ter caixa 2 sem associação
de amigos. Com essas associações, você tem representantes
da sociedade civil para vistoriar
o que os museus fazem."
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