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PASQUALE CIPRO NETO
"Bush assina resolução que o permite atacar..."
O radialista lê a nota internacional: "O presidente
dos Estados Unidos, George Bush,
acaba de assinar a resolução que
o permite atacar o Iraque...".
Lêem-se e ouvem-se com frequência construções como essa, em que
o pronome "o", usado para substituir pessoa, é associado ao verbo
"permitir". Na construção tida
como padrão, o pronome "o" deve ser substituído pelo pronome
"lhe": "Bush assina resolução que
lhe permite atacar...".
Vejamos por quê. Como se sabe,
na língua padrão o pronome
"lhe" substitui complemento verbal ou nominal regido por preposição; o pronome "o" substitui
complemento direto, isto é, não
regido por preposição. Assim, se se
diz "Faz tempo que não vejo o diretor", diz-se "Faz tempo que não
o vejo" (o pronome "o" substitui
"o diretor"). Se se diz "Diga ao diretor que quero vê-lo", diz-se "Diga-lhe que quero vê-lo" (o pronome "lhe" substitui "ao diretor").
Voltemos ao verbo "permitir".
Com ele, seria possível construir
uma frase como esta: "O radar
permite ao navegante detectar
obstáculos a grandes distâncias".
O exemplo é do "Dicionário de
Dificuldades da Língua Portuguesa", do professor Domingos
Paschoal Cegalla. Note que em
"permite ao navegante" o verbo
"permitir" rege a preposição "a"
("ao" = "a" + "o"). Se substituíssemos "ao navegante" por um
pronome, teríamos "O radar permite-lhe detectar obstáculos..."
(ou "O radar lhe permite...").
E de onde viria o inadequado
"o" que o radialista empregou em
"que o permite atacar" e que uma
cronista, citada por Cegalla, usou
em "Sua condição de militar não
o permite fazer avaliações políticas"? Trata-se, provavelmente, de
apenas mais um exemplo do processo de contaminação que se verifica na relação dos verbos com
os seus complementos.
O verbo "permitir" talvez esteja
sob influência de "autorizar",
com o qual tem afinidade semântica. Com esse verbo, é possível dizer algo como "O Congresso autoriza o presidente a atacar", que se
transformaria em "O Congresso o
autoriza a atacar", se empregássemos o pronome oblíquo.
A esta altura, convém deixar
claro que, em se tratando de língua padrão, "permitir" e "autorizar", semanticamente próximos,
impõem procedimento distinto
no que diz respeito à relação com
os seus complementos: "O Congresso permite a Bush atacar o
Iraque" transforma-se em "O
Congresso lhe permite (ou "permite-lhe') atacar o Iraque"; "O Congresso autoriza Bush a atacar o
Iraque" transforma-se em "O
Congresso o autoriza (ou 'autoriza-o') a atacar o Iraque".
Posto isso, só me resta rogar ao
Criador que nos poupe de mais
uma lamentável e inequívoca
constatação de que a humanidade não deu certo.
A coluna da semana passada
("Obrigados nós") deu o que falar. Alguns leitores disseram que,
apesar de correta, a forma "Obrigado/a eu" não os seduz. Não há
problemas, caros leitores. Não faltam alternativas: "Sou eu que
agradeço", "Não há de quê", "Por
nada" etc. O que não faz muito
sentido é dizer "Obrigado você",
forma com a qual (literalmente)
apenas se confirmaria que a pessoa que nos fez o favor continua
obrigada a fazer outros. É isso.
Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna às quintas-feiras.
E-mail - inculta@uol.com.br
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