São Paulo, quarta-feira, 17 de novembro de 2010

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ANÁLISE

Concepção atual de justiça fala ao intelecto, e não às emoções

HÉLIO SCHWARTSMAN
ARTICULISTA DA FOLHA

OK. É revoltante ver supostos "pit boys" que teriam agredido um grupo de rapazes gratuitamente serem liberados pelas autoridades em menos de 24 horas. Esse é um dos lados da questão.
O outro é que, por mais injusto que pareça, é isso que a Constituição determina: todos são inocentes até prova em contrário. Como tal, têm o direito de responder ao processo em liberdade.
Ficar preso enquanto aguarda julgamento é que deveria ser uma medida excepcional, a ser aplicada apenas quando o acusado pode fugir ou frustrar a instrução do processo.
Nossa ambiguidade diante da soltura se explica. Há, "grosso modo", duas concepções de direito. A primeira e mais antiga é conhecida como Lei de Talião. Muito próxima de nossas intuições morais, preconiza o "olho por olho, dente por dente" do Antigo Testamento.
Tecnicamente, ela leva o nome de justiça retributiva. Aplica-se a pena porque o réu a "merece". Essa noção, é claro, só para em pé se tivermos à nossa disposição um deus ou alguma outra entidade metafísica externa que sustente uma ideia de justiça perigosamente platônica.
A justiça retributiva imperou ao longo da maior parte da história. A partir do século 19, foi ganhando força a noção utilitarista de que a pena tem por objetivo não a punição pela punição, mas a manutenção da ordem pública.
O criminoso deve sofrer uma sanção para ele próprio não voltar a delinquir e também para desencorajar outras pessoas de imitá-lo.
A pena já não precisa ser tão "cruel" como a ofensa que ela pretende coibir. É a certeza de que ela será aplicada, e não sua dureza, que serve de freio ao crime.
Hoje é difícil sustentar, no mundo civilizado, o retributivismo puro. Os sistemas legais do Ocidente foram deixando de fazer referência a Deus e a noções abstratas de justiça. O problema dessa concepção é que ela fala apenas a nossas faculdades intelectuais, ignorando intuições e emoções. Daí tantos e sucessivos episódios de revolta.


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