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ANÁLISE
Concepção atual de justiça fala ao intelecto, e não às emoções
HÉLIO SCHWARTSMAN
ARTICULISTA DA FOLHA
OK. É revoltante ver supostos "pit boys" que teriam
agredido um grupo de rapazes gratuitamente serem liberados pelas autoridades
em menos de 24 horas. Esse é
um dos lados da questão.
O outro é que, por mais injusto que pareça, é isso que a
Constituição determina: todos são inocentes até prova
em contrário. Como tal, têm o
direito de responder ao processo em liberdade.
Ficar preso enquanto
aguarda julgamento é que
deveria ser uma medida excepcional, a ser aplicada
apenas quando o acusado
pode fugir ou frustrar a instrução do processo.
Nossa ambiguidade diante
da soltura se explica. Há,
"grosso modo", duas concepções de direito. A primeira e mais antiga é conhecida
como Lei de Talião. Muito
próxima de nossas intuições
morais, preconiza o "olho
por olho, dente por dente" do
Antigo Testamento.
Tecnicamente, ela leva o
nome de justiça retributiva.
Aplica-se a pena porque o
réu a "merece". Essa noção, é
claro, só para em pé se tivermos à nossa disposição um
deus ou alguma outra entidade metafísica externa que
sustente uma ideia de justiça
perigosamente platônica.
A justiça retributiva imperou ao longo da maior parte
da história. A partir do século
19, foi ganhando força a noção utilitarista de que a pena
tem por objetivo não a punição pela punição, mas a manutenção da ordem pública.
O criminoso deve sofrer
uma sanção para ele próprio
não voltar a delinquir e também para desencorajar outras pessoas de imitá-lo.
A pena já não precisa ser
tão "cruel" como a ofensa
que ela pretende coibir. É a
certeza de que ela será aplicada, e não sua dureza, que
serve de freio ao crime.
Hoje é difícil sustentar, no
mundo civilizado, o retributivismo puro. Os sistemas legais do Ocidente foram deixando de fazer referência a
Deus e a noções abstratas de
justiça. O problema dessa
concepção é que ela fala apenas a nossas faculdades intelectuais, ignorando intuições
e emoções. Daí tantos e sucessivos episódios de revolta.
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