São Paulo, sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

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BARBARA GANCIA

Feliz Natal, Sr. Assange


Preferia mil vezes sentar para jantar com o criador do Wikileaks do que com o Homem do Ano, da "Time"

UMA DAS PIORES PERDAS de tempo da face da terra é a tal da reunião de pauta, em que jornalistas se reúnem para pensar a próxima edição.
Negócio é um porre inominável e eu sempre procurei chegar o mais atrasada possível a esse tipo de convescote, uma vez que ninguém consegue produzir nesses ambientes contaminados um pensamento minimamente aproveitável.
Imagino o desastre que não deve ter sido a reunião de pauta da revista "Time" que decidiu por Mark Zuckerberg como Homem do Ano de 2010. Tudo bem, o cara criou uma rede social que hoje tem mais de 500 milhões de usuários. Mas, vem cá: o Facebook já não existia no ano passado?
E, é claro, como o universo conspira contra gente desleixada, horas depois de a "Time" anunciar seu Homem do Ano, a Justiça inglesa libertou da prisão Julian Assange, criador do site Wikileaks. Alô? É da revista "Time"? Desculpe, engano!
Até concordo que, na essência, Zuckerberg e Assange tenham cores semelhantes. Ambos são gênios do teclado com a habilidade de antever os nossos desejos. Ou, como diria sobre Mark Zuckerberg o roteirista do filme "A Rede Social", Aaron Sorkin: "Ele criou uma ferramenta de que precisava."
Mas, entre sentar para jantar com um e com outro, prefiro mil vezes parlamentar por horas com Assange. Veja bem, não vejo Zuckerberg como um completo canalha. O filme com sua história dá pistas de que ele tem sérios problemas com o tamanho de seu pênis e que não passa de um sujeitinho árido. Mas mostra também que, entre sócios e pretendentes a sócio do Facebook, Zuckerberg foi o único a ser imprescindível na construção do negócio e o que mais pegou no batente.
Julian Assange está em outra liga, como diriam na América. É um Giuseppe Garibaldi da liberdade de expressão, um sujeito com outro grau de profundidade do que o nerdzinho de Harvard. Encurralou o Pentágono, o Departamento de Estado e a CIA e aposentou de vez a obsoleta diplomacia de salão que capengava desde a era do telex.
A crise de 2008 ensinou que é ilusão imaginar os governos das democracias mais avançadas atentos e fiscalizando o que precisa ser fiscalizado. Aceitamos conviver com o capitalismo, nas suas formas mais lamentáveis e predatórias, porque chegamos à conclusão de que a democracia vale a pena. Mas democracia só existe com transparência.
Norteado por esse princípio, surge o loirinho sem turbante, sem barba e sem discípulos treinados em simulador de voo. Julian Assange é a pedra no sapato das megacorporações, dos bancos, das grandes potências, enfim, do sistema. Ele é o cara que muita gente estava esperando. Andam dizendo que provoca os EUA a fazer coisas ruinosas, que, assim como Bin Laden, ele quer que seu inimigo responda autodestrutivamente à provocação.
A premissa é uma bobagem, os EUA que se endireitem. A Homeland Security não está tendo de aprimorar seus métodos na marra por pressão do público?
Será preciso gastar mais e treinar melhor. Não é Julian Assange quem tem de mudar. É o governo dos EUA, são os governos, os bancos, a indústria farmacêutica, a forma de fazer negócios e -por que não?- a maneira de escolher o Homem do Ano da revista "Time".

barbara@uol.com.br

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@barbaragancia



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