São Paulo, segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

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MOACYR SCLIAR

Paixão tecnológica


Foi amor à primeira vista, amor que julgava correspondido, e do qual falava, com a maior emoção, a seus amigos


Um homem casou com uma popular personagem de videogame, e a levou -em seu aparelho portátil - para a lua de mel. O homem conheceu a personagem Nene Anegasaki quando estava jogando Love Plus, um jogo que simula encontros românticos. "Sempre imaginei Nene como minha mulher. Decidi que deveríamos nos casar", disse ele. "Continuarei jogando Love Plus e não serei infiel". Folha Online

Uma companhia de Nova Jersey, nos Estados Unidos, afirma ter desenvolvido "o primeiro robô para relações sexuais do mundo", uma boneca de borracha de tamanho e proporções humanas que, além da finalidade sexual, foi desenvolvida para se envolver com o proprietário pela conversa. A robô diz "Adoro ficar de mãos dadas com você", quando alguém toca suas mãos. Folha Online

ELE SEMPRE preferiu amores virtuais, e isso por três razões. Em primeiro lugar porque era fanático pela tecnologia, e pelas figuras que a tecnologia pode criar. Depois, porque assim podia dar rédea solta à imaginação e viver as mais extraordinárias aventuras eróticas. E terceiro porque tinha certeza de que poderia controlar de forma absoluta essas mulheres imaginárias; elas jamais o trairiam. Foi assim que viveu dois ardentes romances. O primeiro com uma personagem de jogo eletrônico, Nene Anegasaki. Foi amor à primeira vista, um amor que julgava correspondido, e do qual falava, com a maior emoção, a seus amigos.
Um erro, como não tardou a constatar. Um dos amigos (?), conhecido como Ratão, tipo feio e detestado pelas mulheres, ficou com inveja e resolveu aderir também ao jogo. Logo passou a cantar vitória: a Nene Anegasaki tornara-se sua amante, levava-a para cama todas as noite.
Ele ficou furioso. Claro, Ratão não tinha prova nenhuma do que afirmava. Mas, olhando a Nene, começou a achar que a personagem tinha, mesmo, cara de infiel. Furioso, jogou fora o Nintendo e prometeu a si mesmo que nunca mais se apaixonaria por personagens daquele jogo. Mas aí visitou uma exposição de erótica eletrônica e conheceu a mulher-robô, uma boneca de borracha de tamanho natural, capaz de se mover e de conversar com o dono. O expositor sugeriu que tocasse a mão daquela maravilha tecnológica. Ele o fez e a mulher-robô murmurou, numa voz rouca e sensual, uma voz verdadeiramente afrodisíaca: "Adoro ficar de mãos dadas com você".
Não hesitou e comprou-a. Agora, sim, seu problema estaria resolvido. De fato, durante algum tempo viveu feliz com a nova companheira. Mas de novo, os ciúmes começaram a persegui-lo. Uma noite, ao voltar para sua casa, no subúrbio, e antes de abrir a porta, ouviu a voz da mulher-robô: "Adoro ficar de mãos dadas com você." Entrou, furioso. A mulher-robô estava no sofá, onde ele a deixara, mirando-o com seu fixo sorriso.
Ninguém ali. Mas a janela estava aberta. E pela janela aberta alguém podia ter entrado e saído. O amante da mulher-robô. Ele se desfez dela, claro. E não encontrou substituta. Agora está pensando em ter um caso com uma mulher de verdade, de carne e osso. Talvez seja mais fiel que as fêmeas criadas pela tecnologia.


MOACYR SCLIAR escreve nesta página, às segundas-feiras, um texto de ficção baseado em notícias publicadas na Folha.

moacyr.scliar@uol.com.br


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